segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

JOGO SEM JUIZ.

Você olha o relógio e pensa que o tempo passa na forma de um círculo. Engano. Ele passa numa linha reta como uma lâmina sem imaginação. Você marca os dias e minutos porque quer. Convenção. O tempo não ta nem aí. Você pisca e ele já foi. Te apavora ver que tudo vai escapando? Acho que não vale a pena. O jogo começou faz tempo e esqueceram de avisar o juiz. Acorde!

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

PERDOE-SE EM PRIMEIRO LUGAR.

A nossa casa em Santo André era grande e quando eu e o Antonio tocávamos violão juntos eu gostava do eco que fazia na cozinha. Nós compramos juntos os violões. O meu era cor de marfim e o dele era avermelhado. A gente não tinha nenhuma pretensão com aquilo, que eu me lembre. Acho que era só por diversão ou fazer bonito com as garotas, sei lá. O que interessa é que a gente se sentava na cozinha e tocava algumas coisas que aprendemos numa revistinha chamada Violão e Guitarra. Era sempre a noite e a porta da cozinha, no tempo do verão, ficava aberta e uma brisa gostosa atravessava a casa. Caramba, a gente cantava Roberto Carlos: "Eu cheguei em frente ao portão, meu cachorro me sorriu latindo...", Belchior: "Há tempo muito tempo que eu estou, longe de casa, e nestas ilhas cheias de distância, o meu blusão de couro se estragou...", The Hollies: "...all I need is the air that I breath and to love you...", alguma coisa de Credence, Beatles e outros. Não éramos bons, mas era bem legal.
O Antonio hoje tá reconstruindo a vida dele na casa onde viveu meu avô. Comprou um terreno e vai construir uma oficina. Ah, e comprou um cavalo também. As notícias que tenho é de que ele está feliz. Eu estou tentando fazer um filme e terminar um livro e montar uma peça e pintar um quadro...
Aê, Antônio, olha só. A gente não errou, não. Foi uma coisa que passou e pegou a gente descuidado. Acho até que nós somos dois caras bacanas. Sobrou a diversão, é ou não é?

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

TÁ TUDO CERTO, TÁ TUDO BEM. OU É O CONTRÁRIO?

Tem um cara num rock clássico, I wish you were here, na sala. Um martelo incessante no andar de cima, sexta-feira, dia de reforma e chuva. Por que o que dói é sempre mais forte? O solavanco dos carros na tampa do bueiro, a minha desesperança feito aquele nevoeiro que cobre uns edifícios lá adiante. Você arruma suas coisas e conta os objetos no chão. Confere com a lista que você fez naquele guardanapo no bar? Que apego esse a coisas cujo valor muda de sentido a partir de agora, pesadelo colocado na mochila...Jogue tudo no primeiro rio que encontrar ou pela janela do trem ou qualquer outro bicho de calda longa com distância embutida. Pra esquecer enquanto se arrasta. Fuck! Tem umas coisas que preciso organizar, algumas roupas e fotografias, umas pinturas velhas aqui na minha cabeça. Eu preciso de sol e chuva, vento e o sereno da noite pra que tudo dê certo. Acomodação e mistura de cores, perda e fragmentação, trincados e nenhum verniz de pretensão. Tem uma carta chegando por baixo da porta, fax-machine, código de barras, sabe o que é? Sim, envelopes com código de barras que entram por baixo da porta, você sabe do que falo. Salmo 91. O Altíssimo salva e protege, mas não cobre fichas de compensação. Gosto dessa tatuagem aí, nesse fim, quando a vejo de cima e você sorri. Com quem você irá partilhar essas conversas sacanas e as minhas piadas repetidas? E os discos de vinil, os dois sertões de Euclides e Guimarães Rosa e Seara de Vento, de Manuel da Fonseca? Tem coisas que só um tem, um que é um, sem cópia fácil na esquina e nem nos classificados de grandes negócios dos jornais, sem valor equivalente nos hedge-funds ou nos derivativos a quinhentos por cento ao mês. Eu mandei aquela tua poesia pra um concurso de cartas marcadas, pra te fabricar uma esperança. Assim sentaremos juntos um dia pra você me falar do gosto bom da frustração. É onde fiz carreira e criei os meus calos de dentro e de fora, mas você não sabe. É pra isto, pra você saber. Deixa eu te ver sentindo-se um verme por um tempo. Pra dividir, lembra? Lá na sala, Bruce Springsteen fala de Glory Days, quando reencontra velhos amigos e fala dos bons tempos. Quem essa não pega? Passamos todos por isto, aquela impressão boa de que as amizades nunca terminariam, nem nossas conversas sobre a vida, quando achávamos que tudo ia dar certo. Preciso refazer a armação dos óculos, uma das hastes tomba e me desnivela. Não que haja algo errado no que vejo. É a haste. É o tombo. É a enxurrada que desce pela rua daqui a pouco, coisa repetida de ontem, então nem futuro mais é. Ontem falei com o homem da perua, aquele que faz carreto. Disse que não empacota nem embrulha nada, mas garante que vai dar tudo certo. Salmo 91. “Mil cairão ao teu lado e dez mil à tua direita, mas (a peste) não chegará a ti”. Nada sobre carreto a cento e cinquenta “reals” all in. Deus é esperto, se salva na cláusula do livre arbítrio, está lá nas entrelinhas. Então é isto. Lá fora, a chuva molha lombos igualmente, um pouco da justiça divina pra gente não esquecer. Acho que vou sentir saudades de você. Talvez até compre uma armação nova para os meus óculos.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Quando chegar a hora eu vou revirar outros lugares. Eu tenho coisas me esperando por aí, o mundo é bem mais do que ficar apenas reclamando. Como eu, você sabe que as históris estão lá, esperando. Ficam guardadas e mortas, num porão cheio de mofo, os personagens e suas falas num canto escuro, num armazem do agora e de memórias. Levo minha câmera, duas baterias e algumas fitas e todo desprendimento que eu puder resgatar do fundo da minha arrogância e presunção, as melhores qualidades a mim atribuidas por quem não me conhece. Não julgo. Ainda tenho algum tempo pra gastar com coisas melhores. Não preciso me preocupar com que tipo de lente vou usar, há somente uma na câmera. A luz vai ser a do dia e a que houver nas casas, a noite. E onde há luz, há sombra. De que mais posso precisar? Sim, a história. Mas, como disse, ela já está lá, em algum lugar.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Eu me lembro bem. Era uma casa de um amarelo desbotado, fincada numa encosta. Dobrando o morro, o rio. Depois dele, o nada.
Na soleira da porta, um pedaço de tábua com tampinhas de garrafa pregadas de boca para cima onde se limpava as botinas sujas de barro. Em volta da casa, marcas de goteira cavavam o chão de dias de chuva que não cessavam nunca. Junto à parede frontal havia um canteiro de flores miúdas e sem graça. E por isto, permanecem sem nome na minha memória.
No dia em que eu cheguei, ela apareceu na janela e me viu no terreiro. Seu rosto ferveu, talvez pelo inesperado de me ver, talvez pela novidade de ter alguém por ali, um lugar distante e de poucas visitas. Ela me abraçou na escada. Seu corpo cheirava a fogão de lenha e café, o que a tornava ainda mais bela e única.
Ela me trouxe pão caseiro e uma xícara de café e sentou-se de frente pra mim, do outro lado da mesa. Sobre as bocas do fogão havia três panelas, o fogo alto. Ela preparava o almoço. Perguntei se esperava alguém. Ela respondeu que não e abaixou a cabeça. Ficamos em silêncio um tempo. Lá fora a chuva começara de novo. Ela então me olhou e disse que desde algum tempo esperava por mim todos os dias, embora sem saber porque...(texto em progresso)

SIMPLES ASSIM.

Os especuladores profissionais compram de manhã pra vender à tarde, ou à tarde pra vender no dia seguinte. Afundam e levantam o mercado conforme lhes convem. E os bancos centrais vão esvaziando as reservas para sustentar a vadiagem de quem não produz um parafuso sequer. Se os governantes tivessem culhões fechariam as bolsas de valores e colocariam crédito na boca do caixa pra aqueles que tem interesse em produzir. Quem quiser ações que vá negociar direto com as empresas. Os jogadores profissionais que procurem outra coisa pra fazer da vida. Ou busquem o andar mais alto de um edifício qualquer.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

ESQUEÇA

Sim, a bolha do capitalismo nunca estoura porque o risco não existe. Lá como aqui, haverá sempre o “maldito” Estado para salvar o pessoal da Bolsa-Daslu, da Bolsa-SUV e haverá sempre argumentos ótimos e canalhas para defender a merda toda. Sim, estamos nas mãos de Obama ou de McCain como já estivemos nas de Clinton e anteriores e há oito anos nas mãos de Bush e será sempre tudo a mesma coisa. A América livre vive de plantar guerra e paz, nem sempre nesta ordem e na verdade não importa, armando sempre os dois lados por todos os lados e cantos do planeta porque as armas são sua principal pauta de exportação. Qual presidente vai ser louco de quebrar esta corrente? Novidade, né? Mas há sempre ótimos e canalhas argumentos pra defender tudo isto. Darfur, Afeganistão, Iraque, Kosovo e daí pra trás…? Who cares? Olhe a marca nos rifles e fuzis e veja em que conta bancária a sujeira está depositada. Nada disto se esgota. Flutuamos numa crosta de merda e sangue e ainda assim filosofamos! É um fato em cima de outro, mastigado e cuspido e os restos jogados debaixo do tapete, hoje uma montanha sob ele de tanto que se fala e uma coisa vai substituindo a outra...Nada se esgota. Os assuntos diários são uma reciclagem sem fim de tudo o que se move pela ganância e poder, o vale-tudo dissimulado de cronistas, jornalistas, geniais artistas, todos cheios de opiniões e soluções, mas, coitados, sempre tão contraditórios em sua pressa de ser o mais inteligente. Hoje importa a polêmica pela polêmica, não interessa o fundamento do texto, se faz sentido ou não, importa a agressão porque gera frequência, o blogueiro de olho no contador de visitas. E como um viciado trêmulo atrás do teclado ele vai destilando seu ódio falsificado a tudo e a todos porque na verdade ele pouco se importa, a verdade não existe e nem há tempo para ela, importa a repercussão, a variedade de opiniões, uns piores que os outros, clones de reacionários e ignorantes com verniz intelectual, cheios de esperança por uma palavra elogiosa do seu gurú. Vivemos os tempos da subserviência, do babaquismo, da babação de ovo, pessoas que vendem sua opinião por míseros segundos de atenção e se sentem participantes, acreditam tolamente na lorota do "conteúdo feito pelo usuário". Blogueiros conhecidos criam falsas polêmicas entre si pra agitar o ambiente, criam um clima de rivalidade entre os imbecis que compram suas brigas e acreditam em outra lorota, "é preciso estimular o debate"....o debate sobre o nada. Triste, triste. E tome debate, e tome pesquisa, uma diferente da outra pra servir a quem encomendou e seus interesses particulares. E nesse meio tempo, esqueceu-se um fato. Obama deixou de ser negro? A América deixou de ser racista? Alguém aí se ilude de que nada vá acontecer antes desse Negro chegar a presidência dos EUA? Na boca de um cano fumegante ou na manipulação de votos alguém ainda vai tentar tirar o cara do caminho. E se não der certo antes vai ser durante. Nada mudou, ninguém virou santo de repente, a América não recolheu seu racismo simplesmente porque um senador negro desponta na maioria das pesquisas. Está tudo a caminho, nos conformes, nos procedimentos dos reaças. Talvez não se dê pelas armas, os criminosos se sofisticaram, talvez não pegue bem nos dias de hoje um candidato ou presidente ser assassinado numa nação-exemplo de democracia. Talvez se dê pelo cozimento dos fatos no caldeirão da midia esperta e peças publicitárias em 3D, na manipulação de dados e cultura de boatos. Morte silenciosa e pacífica porque tem criança na sala. E alguém dirá depois que nunca naquele país um negro chegou tão próximo de ser o presidente da maior e mais democrática nação do mundo. Mas não será desta vez.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

MORRO NA PRAIA, MAS VIVO.

Eu ando tão puto com certas coisas que tá muito difícil escrever algo que se pareça com poesia. Ninguém tem nada com isto, é ou não é? Eu sei que pago o preço pelas escolhas que fiz e compete a mim administrar a merda toda. O problema é que as vezes parece que tá ficando tudo tarde demais e que não vai dar tempo. Eu faço meus planos e não me envergonho deles. Eles me ajudam a botar alguma ordem no caos, ele que volta e meia me dá a sensação de estar sempre no mesmo lugar. Eu me confundo, sim. E erro de montão. E refaço tudo e penso demais. E muito do que penso fica lá mesmo, para o bem de todos.
Há um tempo eu consegui colocar um projeto de filme nas leis de incentivo. Eu, como todo cara que se mete com as artes, tenho um pé fora do chão e muitas vezes me iludo pensando que algo vai ficar mais fácil. Então deixa eu dizer: A grande maioria das pessoas não tem a menor idéia do que sejam as leis de incentivo, não têm a menor noção do problema de fazer cinema aqui, mas o pior não está aí. Ninguém é obrigado a conhecer essas leis entre tantas outras mais comuns que somos obrigados a seguir. O terrível é constatar, mesmo a verdade estando aí o tempo todo, é que a grande maioria não vai ao cinema, ao teatro, não lê um livro (falo de literatura), não conhece nada além de casa-trabalho-casa-novela-cama-casa-trabalho...Bom, problema meu, é ou não é? Pois é, se vamos ficar no meu projeto sim, o problema é meu. O caso é que a coisa toda é triste demais. E não tô falando de periferia aqui não, hein! As pessoas com quem tenho falado em busca de patrocínio são pessoas do Campo Belo, Brooklin Novo e outros bairros do mesmo porte. Pessoas supostamente cultas, supostamente bem informadas, supostamente ligadas a tudo que acontece e que, supostamente, deveriam saber da importância da arte como ferramenta de reflexão (arte é educação, ô povo!) Como é que se vai tirar essa gente da ignorância absoluta se o cara que você visita, que tem um comércio, que fala com o público o tempo todo, que está dentro de um bairro bem frequentado, não só não tem a menor noção do que você está falando como não está interessado em entender? Além do fato de que alguns deles ainda acham que a arte, qualquer arte, é coisa de vagabundo ou de malandro. Outro dia, um dos sócios da Padaria Santa Marcelina, ali na Vieira, me destratou porque dentro da sua profunda ignorância (ou ele é apenas um mão-de-vaca mesmo) o meu projeto deveria ser parte de algum plano de golpista ou coisa do tipo. Isto porque nos papéis que eu deixo com as pessoas encontram-se todas as informações possíveis para que o interessado possa verificar a veracidade da coisa. Além de estar lá meu endereço, telefone, currículo, enfim, coisa de malandro, não é?
Eu vou continuar insistindo. Já pensei em desistir disto tudo e correr atrás da minha aposentadoria e me dedicar a escrever a parar de ficar nervoso. Mas não consigo. Talvez eu me ache importante demais, talvez eu pense que as pessoas precisam realmente ler e ver o que eu tenho a mostrar, ou talvez seja mesmo uma questão pessoal, uma questão de escolha, um caminho que eu me apontei e do qual eu não possa fugir. Vou continuar insistindo. Se eu tiver que morrer na praia não vai ser sem luta, vai ser pelas coisas que acredito, apesar da descrença geral.
E em tempo: As leis de incentivo, como o próprio nome diz, foram criadas para incentivar as empresas a apoiar a cultura. O patrocinador, Pessoa Física ou Jurídica, pode abater do IR a pagar qualquer apoio financeiro dado a um projeto cultural registrado nessas leis. Em linhas gerais é isto, o patrocinador não tira nada do bolso e ainda ganha uma série de outros benefícios. Mesmo assim é essa dureza que eu descrevo aí em cima.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Eu andei me perdendo em considerações sobre a vida. O que é, e não é. A vida põe e tira, repara, repõe e segue.
Eu me volto e vejo sobre os meus ombros,
Eu de costas para uma rua aberta,
Num dia depois da chuva quando tudo pára,
E espera,
Quando o ar se enche de uma sensação de coisa nova,
Como se tudo fosse diferente dali para a frente.
O tempo. O velho chinês empurrando um carrinho de mão, por entre os sulcos do rosto uma certeza que nunca entendi.
E naquela fotografia uma voz,
Que não cabe ali,
Mas que foi parte do momento,
Entra como um eco pela esquina e diz,
Uma frase breve,
Algo sobre o amanhã,
Que vive preso em toda fotografia.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Desde o fortalecimento dessa crise financeira, as autoridades brasileiras têm afirmado que o sistema bancário brasileiro é sólido e que os nossos valorosos banqueiros não estão envolvidos com aqueles papéis podres americanos. Sei não...

Sim. Pode não parecer, mas existe um plano.

sábado, 20 de setembro de 2008

Às vezes Carla olha bem devagar em volta ou se perde para o nada através da Janela. Eu a conheço bem, desde que ficamos porta com porta anos atrás. Quando está assim, eu sei que tudo o que ela queria era um pouco de silêncio, ser verdadeiramente esquecida por uns tempos. Abandono mesmo, de um jeito que ninguém tenha obrigação uns com os outros, quando ninguém precise se carregar. Ela queria esquecer seu nome e por tabela a sua história. O pouco digno de memória, "você sabe", não lhe pertence, foi graça de Deus. "Se você quiser viver com um mínimo de independência, esqueça desde cedo que alguém venha realmente a se importar com você. A vida não deixa. Cada um vai empurrando como pode e o que se faz em geral é apenas um jogo de cena infestado de clichês. E se você quer saber, os clichês nos salvam de explicações".

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Uma ONG de São Paulo está colocando lixeiras especiais em alguns bairros para estimular os donos de cães a manter as calçadas livres das merdas dos seus bichinhos de estimação. A maioria dos donos de cães que eu vejo são pessoas com boa situação financeira, que certamente tiveram acesso às melhores escolas e que deveriam estar cientes das regras de convivência em sociedade. Ocorre exatamente o contrário. Para satisfazer seus desejos, essas pessoas se colocam num patamar acima de nós outros, como se fôssemos obrigados a tolerar suas manias de gente mimada com salvo conduto para fazer o que quiserem da cidade.
Se pessoas supostamente bem educadas precisam de "estímulo" para respeitarem os direitos básicos do resto da população, talvez o problema não seja apenas de falta de educação. Deve ser alguma outra coisa, não?

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

GRANDES NOVIDADES...

12/09/2008 - 00h37
Marta, Alckmin e Kassab trocam farpas em debate.

Como assim? Quer dizer que os candidatos se agridem em época de eleições? Ora, deve ser brincadeira! Só falta dizer que eles falseiam a verdade, distorcem dados, inventam obras que nunca fizeram e, seria o fim do mundo!, atacam a vida pessoal do outro.
Esta manchete realmente é instigante, dá vontade de comer a tela do computador de tanta curiosidade, de tanta novidade que ela carrega.
Existe um jargão no jornalismo que diz que quando um cachorro morde um homem isto não é interessante. Bom mesmo é quando o homem morde o cachorro, aí sim temos uma manchete.
Vou te dizer, só largando mão...

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Essa é do Laerte - Folha de S. Paulo - 09/09/2008

WITH A LITTLE HELP FROM HIS FRIENDS

Daniel Dantas foi pego, através de auxiliares, tentando comprar agentes da Policia Federal pra facilitar sua vida e a de seus familiares. Naquela conversa, o "comprador" dizia que Dantas estava preocupado apenas com as instâncias mais baixas da justiça pois no topo, no STF, ele estava garantido. O que parecia apenas bravata de alguém em desespero se comprovou imediatamente. Com a ajuda de Gilmar Mendes, presidente do STF, Dantas se safou duas vezes seguidas de ir pra prisão. Com uma presteza e disposição incomuns, Mendes ficou acordado até altas horas para garantir que o dono do Opportunity não passasse uma noite sequer na cadeia.
No segundo capítulo da armação toda, a revista Veja, aliada antiga de Dantas trouxe a história do grampo, preparado para pegar conversas entre Mendes e Demóstenes Torres, também amigo conhecido de Daniel. O Congresso, cuidando de sua própria proteção abrigou e esticou a matéria da revista, e o restante da mídia preguiçosa, muito convenientemente, seguiu a manada. E assim, enquanto nada se prova, aqueles que investigaram Dantas cairam em desgraça, a Policia Federal e a Abin viraram os bandidos da história e o banqueiro sumiu da mídia.
Neste momento, Daniel Dantas ri tranquilo em alguma sala no topo do mundo. Junto com seus advogados e um uísque 200 anos, ele ergue um brinde aos bons amigos que comprou nas esferas máximas do poder e da mídia. E você continua acreditando...

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Às vezes assusta,
Quando perco a delicadeza e digo o que penso,
Pra colocar no lugar o que não deveria estar só comigo.
Porque te retira do conforto de apenas receber,
De esperar com algum olhar dissimulado,
Como se o amor não fosse um embrulho de dois.

Um movimento minúsculo e (in)sensato pode desarranjar um mundo quieto e pacífico, mas irreal e triste. Um outro tão imperceptível quanto pode reordenar tudo, ainda que em diferentes posições, na formação do produto final.
Mastigue, como eu faço. Com a vivência que a (ante)visão da dor trás.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

MUROS

Vamos cercar a Cracolândia com um dos braços do muro que irá isolar a periferia, a metafórica e a real, das áreas nobres da cidade. Aproveitamos para jogar um pouco de gás envenenado nos porões das confecções da Jose Paulino, onde coreanos escravizam bolivianos, essa pá de cal na esperança dos ingênuos que ainda não se deram conta do poder que o poder tem de revelar o caráter canalha de nós homens. Por vinte reais comeremos uma puta do jardim da Pinacoteca como prova de nosso esforço de inclusão, de dar a todos o direito de existir nos seus dois metros quadrados de humilhação e entrega àquelas forças invisíveis que recheiam o nosso cartão de crédito. Deus leva a fama e nós os benefícios e é aí que entra a justiça feita por linhas tortas. Fazemos o desenho das cidades com um olho no peixe e outro no gato, é o cerco às oportunidades, palavra muito apreciada pelas putas velhas que chafurdam no mercado financeiro.
O novo Shopping Jardins promete oferecer tudo para que seus habitantes não tenham que ver o mundo exterior além do seu ponto de vista. Residência, trabalho e consumo. O paraíso na terra dentro de uma prisão. AAA, mas ainda assim, uma prisão. À beira de um esgoto a inferno aberto. Ou será que está nos planos asfaltar o rio Pinheiros?
O braço de muro em volta da Cracolândia será parte do outro rodeando os extremos incômodos dos quatro cantos da cidade, de onde vem aquele povo, você sabe, aquele lá, de lá...
Há quem se incomode com a presença física dos muros como elemento de segregação, como aquele de marca Bush sendo erguido pelos americanos ao longo da fronteira com o México. Será mesmo necessário com todos esses muros por aí? Ou você não está vendo?

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Eu ia dizer uma coisa qualquer, de entendimento rápido. Estou fraco de idéias para as coisas profundas, como se fosse mesmo este o meu território. Ando na superfície ultimamente, tentando me estancar, me esvaziar do acúmulo de coisas que fui empilhando lá dentro. E o preço por isto entra rápido por debaixo da porta, com as contas que nunca erram de endereço. Mas é um alívio necessário de tempos em tempos, experimentar o jeito de outros de ver o mecanismo das coisas. Pra voltar depois um pouco menos carregado para o que sou, esse jeito de ser que, certo ou errado, está na minha trilha. Com três quartos dela completados.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

OLHA OS AMARELÕES AÍ DE NOVO!

Vamos acabar com esse negócio de que medalha de prata e de bronze valem o mesmo que a de ouro. Se fosse assim existiriam apenas medalhas de latão pra todo mundo, do primeiro ao último.
Prata e Bronze só valem Ouro quando o atleta luta até a exaustão para obter o primeiro lugar. Grupos de bundas-moles como os do nosso futebol, masculino e feminino, devem se dar por satisfeitos pelo resultado, pois nada fizeram pra ir além disto. Ganharam por sorte de alguns mancos e já eram favoritos antes da hora decisiva. Culpa da mídia? Dá até preguiça falar disto. Mídia vive do espetáculo, daí a existência de animadores de auditório como o Galvão Bueno. Mídia vive de armações de sujeitos categorizados, aparentemente acima de qualquer suspeita, como os profissionais do Sport Tv, que por alguma razão que desconheço pensam que somos cegos, ou assistimos competições de maneira diferente da deles. Logo após a derrota, lá vem os caras com o discurso politicamente correto, pra nos chamar de imbecis, ao dizer que valeu a luta, que tentamos até o fim mas que competir é o que importa. O cacete!
E a garota que perdeu a vara? Sumiu, vai com outra, tenta o melhor e pára de chorar. Depois vai ver o que aconteceu. Não tenho dó não. Atleta tem que saber cuidar das suas coisas. É ele que vai dar a cara pra apanhar lá no meio da arena. E que porra é essa de pedir desculpas ao povo brasileiro? Os atletas brasileiros não me devem nada. Eles devem a si mesmos a obrigação de lutar até o fim, de dar o melhor de sí. Se ganharem desta forma, vibramos, serão heróis. Se perderem desta mesma forma, lutando, serão bravos e dignos de respeito. É só isto.
Amarelaram no futebol? Sim, são amarelões, na camisa e no espírito. E deveriam abrir mão de lutar pelo bronze. Não fizeram por merecer.

domingo, 10 de agosto de 2008

ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA.

Um dia você entrará numa sala e ficará diante de alguém maior que você. O outro do lado de lá da mesa estará acompanhado de um outro menor que fará as anotações.
Depois das formalidades iniciais, o homem grande acenderá um cigarro e seus olhos, varando a cortina de fumaça, dirá sem rodeios “estou esperando”. Você terá esquecido por alguns instantes o teu discurso ensaiado ao fixar-se no anel de pedra negra na mão esquerda do homem e no rosto cheio de certezas, ainda, do jovem com o bloco de anotações. E agora sua mão trêmula puxa da sua velha pasta de couro uma planilha de custos e um plano detalhado de trabalho.
O homem perceberá sua incerteza pela maneira que você lhe esticou o cartão de visitas, ele que leu todos os livros sobre a linguagem do corpo. Uma tolice na qual você nunca acreditou. Por um instante você olhará a paisagem formada pelo topo dos edifícios da cidade, os picos mais altos ainda cobertos pela névoa da manhã. Um avião passará pela fachada espelhada de um edifício ao lado. E por uma razão que só você sabe, uma coisa absolutamente inatingível e inalcançável a qualquer estudioso da alma humana, você abrirá um sorriso inesperado e fora dos códigos de medo das grandes salas de reunião. O garoto olhará para o chefe a procura de uma dica de conduta, enquanto aquele, depois de vasculhar na memória todos os livros que leu, sorrirá de volta, meio incomodado. E você dirá, a beira de uma gargalhada: “E eu que pensava que tinha medo de altura!”.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Há certos dias em que as palavras somem, como um motim pra desmoralizar o escritor. São os tempos de crise, quando a vontade de falar de tudo resulta em nada. Na verdade, são dias em que tudo parece adquirir um sentido destruidor, uma explicação lógica e terrivelmente fria e desprovida de qualquer mágica para o que vemos em todo lugar. Eu não sou o único que depende de anestésicos para a verdade, de uma cobertura macia e doce para a realidade. Assim nos arrastamos melhor. Talvez seja melhor não pensar, deixar deste hábito idiota de ponderar e querer entender. Não deve mesmo haver nenhuma explicação. Ou pior. Talvez a visão correta seja esta que vem nos dias de crise. Quando o sentido de tudo parece não ter sentido algum.

terça-feira, 29 de julho de 2008

PONTO FINAL

Como alguns mais céticos já sabiam, sem dinheiro não dá. Assim, estou desistindo de todos os meus projetos. Vou dedicar a me tornar o sujeito prático e racional. E vamos em frente, porque tempo é dinheiro.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

CONTEMPLAÇÃO E ALGUMAS TRAGADAS.

Você deve se lembrar de um tempo em que a gente foi muito feliz. Engraçado. A gente não tinha nada e nem sabia. Por isto o nada nem falta fazia. Você sabe me dizer como o mundo foi se modificando, se abrindo, ganhando sentido e tornando tudo tão insuportável? Eu me lembro que o mundo se limitava a algumas ruas e becos e alguns amigos de fé que nunca iriam se separar. Tinha também um horizonte em frente e esta lembrança é tão boa e clara que parece até que havia um cigarro entre meus dedos. E tragadas longas e contemplação. Tudo tão simples e limpo de considerações complexas sobre a vida. Porque a vida, desse jeito que digo agora e com a qual nos preocupamos tanto, nem existia. Era tudo ali, agora, resolução imediata de sonhos, tudo possível. Este monstro que agora nos carrega em seus intestinos ainda estava oculto em outras esquinas. Agora há pouco falava com amigos sobre o gosto das coisas, hoje tão diferente. Eu disse que o gosto não mudou, mudou o tempo. “Papo de velho”, ela disse.
Como foi mesmo que tudo aconteceu? Nem vimos, porque as nossas escolhas nos colocaram num campo isolado, num mundo paralelo e particular, uma arquibancada no meio da arena. Você vai culpar alguém? Eu não. Pode ser difícil de acreditar, mas eu sabia desde muito tempo onde tudo iria chegar. Eu pressentia o fim quando dei o primeiro passo naquela direção. Porque o monstro já havia se revelado, assim como a vida e os seus tons de cinza. Sabe a ladeira e o carrinho de rolemã? E a casca de coqueiro deslizando sobre o mato ralo morro abaixo? Sabe o cavalo enlouquecido em galope pela estrada aberta e o tombo que você sabe que vai chegar? Foi assim, nós sabemos bem. Nós nascemos livres por obra e graça de um Deus que se distribui em nanopedaços por todos os cantos. E longe das amarras que as religiões tentam nos impor, precisamos seguir nossos caminhos e viver nossas escolhas. E pagar por elas. É o tal do livre-arbítrio, do pegue e siga por sua conta e risco.
Pois é, meu velho. Hoje somos inutilmente experientes e o nosso único consolo é rir das nossas desgraças. E tamborilar sobre a mesa enquanto um pensamento recorrente insiste em vir dizer que tudo poderia ter sido diferente. Como se não fosse exatamente por isto que evitamos olhar para trás.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

CONSIDERAÇÕES BÁSICAS DE ANIVERSÁRIO.

Eu estou fazendo 52 anos, assim como no ano passado fiz 51 e no que vem...bem no que vem a gente conversa. Faltam então 22 anos para chegar nos 74, a data em devo morrer conforme me disse um vidente há uns 20 anos. Eu não faço questão de datas, tenho dificuldade em guardar a maioria, algumas importantes, mas tem sempre alguém que faz isto melhor do que eu. O que eu sei é que os prazos vão diminuindo, uma certa pressão que coloco sobre mim mesmo, aquele lance de deixar uma marca, algo que ninguém precise se esforçar muito pra se lembrar do meu nome. Ao mesmo tempo, sempre da mesma forma, digo a mim mesmo que tudo não passa de uma grande bobagem, que este é um jogo cujas regras já estão definidas desde sempre. Somos de repente jogados no meio de um campo insano e as tais regras vão surgindo do nada, em meio a tapas, socos e safanões e vamos nos inteirando aos poucos de onde estamos e o que achamos que somos. A arena nunca está vazia. Se der sorte, pode ser que você passe para as cadeiras na arquibancada e passe a decidir quem vive ou morre. Do contrário, é lá embaixo que tudo se dá, numa repetição infernal de expectativas. A maioria vão definhar no terreno das esperanças. As poucas que se realizam acontecem muitas vezes por uma sucessão de acasos, longe dos planos que você julga estarem bem arquitetados. E assim a vida segue. Algumas pessoas próximas são cheias de idéias otimistas, da conspiração positiva do universo e que tudo o que acontece é apenas um reflexo dos nossos pensamentos e desejos. Tenho sérias dúvidas sobre isto. O universo não dá conta de tanta gente pedindo tanto ao mesmo tempo. Eu não sou um pessimista do tipo clássico, aquele não carrega qualquer tipo de espectativa. Eu ainda me apego aos meus sonhos, aos meus planos e convicções, o meu combustível para os próximos 22 anos. Como tem sido até aqui, uma vida assentada no abstrato.

domingo, 13 de julho de 2008

NORTE TODA VIDA

Um romance narrado no fluxo do pensamento, sem cortes. O desespero de um homem sem retoques. Difícil de ler, eu sei. Quando escrevi este romance, foi desta maneira que saiu, sem ponto final, tudo em letras minúsculas, sem pausa pra descanso.
Eu penso que se um escritor, cineasta, dramaturgo, tiver que explicar sua obra ou as razões pelas quais certas coisas são colocadas de determinada maneira, então não vale a pena se dar ao trabalho. Um autor não deve abarcar tudo, cercar todos os lados. Tudo o que ele quer dizer encontra-se lá. Enxergar esse tudo compete a quem lê, a quem vê, a quem assiste. Eu quero dizer que é preciso deixar espaço para o questionamento do outro. Para mim não ha nada pior do que um livro, filme ou uma peça de teatro onde tudo foi devidamente explicado, de onde eu saio sem qualquer tipo de dúvida. Dez minutos depois eu já nem me lembro mais do que se tratava. Vai um trecho aí abaixo, pra você entender do que estou falando:
uma prateleira de três tabuas cheias de nós, uma cama de solteiro, um lençol, um travesseiro, um cobertor, dois dicionários, uma agenda, duas calças sobre o esqueleto de uma cadeira, duas camisas, duas cuecas, três pares de meias, um despertador de dois reais, uma escova de dentes, uma escova de cabelo, uma sacola, um par de sapatos, um par de tênis, um cinto, um vidro de perfume no final, um caderno, uma caneta, os cabelos compridos, as unhas compridas, os óculos de lentes riscadas e aros tortos de tinta descascada e hastes curvas que escapam das orelhas, a barba de alguns dias e as bolhas de ácido úrico soltando da sola dos pés, os olhos ansiosos, a vida ansiosa e um tempo indefinido, passos vacilantes e um tremor na alma, medo, neste buraco masmorra de sombras e rachaduras e neste final dos tempos e afundado entre os joelhos, com a caneta tremula eu rabisco um mapa e um destino para esta noite, as paredes balançam e a luz igual, um fiapo, ela que entra por um vão junto ao teto, zona sul, um quarto sem forma cheio de cantos, oito horas da noite, a carta está terminada, destino norte, sempre norte, siga o norte, não fuja da linha, há um tempo te perseguindo e uma urgência te atropelando, há eles, não tomei banho, não posso maquiar o defunto, abro a porta, se for porta, à frente um mundo cego da gente cega desta cidade cega, a bala na agulha, matar ou morrer, quem não é visto não é lembrado, a primeira impressão é a que fica, antes tarde do que nunca, não deixe pra amanhã o que pode fazer hoje, os últimos serão os primeiros, casa de ferreiro espeto de pau, conhece a ti mesmo, o que os olhos não vêm o coração não sente, Deus ajuda a quem cedo madruga, uma oração a Deus e outra ao diabo, o mundo é dos espertos, quem dá aos pobres empresta a Deus, tempo é dinheiro, fazer o bem sem olhar a quem, vale o escrito, em boca fechada não entra mosquito, Deus às vezes dá milho pra cavalo banguela, há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia, quem vai atrás come poeira, nem só de pão vive o homem mas também das palavras de Deus, quem não arrisca não petisca, quem não chora não mama, quem muito fala dá bom dia a cavalo, a curiosidade matou o gato, atire a primeira pedra aquele que não sofreu por amor, eu a conheci aos 17, numa viela escura, numa fuga do ginásio, numa febre de corpo inteiro os dois, tinha a pele branquinha, peitos pequenos e duros, tudo liso e firme como é nesta idade, um trecho deserto por volta das nove da noite, escorregamos e rolamos por um matagal barranco abaixo e nos acomodamos no fim, eu sobre ela, tinha uma coisa diferente nela e em mim naquele dia, em mim mais, porque o mundo aliviou uma dor por um momento e eu imaginei que podíamos ser como todos aqueles casais felizes que eu via de mãos dadas numa hora qualquer do dia, no trem, no ônibus, numa hora em que se pára pra sonhar em silêncio um sonho comum mesmo sem perceber, falo das coisas simples, imperceptíveis, um gesto pego pelo rabo e que não se repete em seguida, eu sonhei com ela, feliz por um instante e pra sempre dali pra frente, me vi com ela e filhos numa casa de cerca baixa, sentados todos nós no muro do alpendre olhando uma paisagem aberta que não era mostrada, ela beijando o meu rosto, eu voltando do trabalho e ela me abraçando e eu a ela e as crianças na entrada do portão, um ônibus velho passando em frente, um ônibus antigo amarelo que seguia devagar e ela escancarou uma gargalhada que ecoou pela noite, pelas ruas em volta e me parece que em todas as casas as luzes se acenderam e todos vieram ver o motivo daquele riso de escracho, alto e belo e cheio de desprezo e deboche, todos os risos que ouvi na minha vida, gargalhadas como aquela, ecoavam por uma avenida, uma boca escancarada de mulher, eu estático e paralisado, me distanciando aos poucos, como o recuo de uma câmera erguendo-se numa grua, quando o diretor, cheio de idéias e genialidades várias quer frisar a eterna solidão de um homem, um autêntico imbecil cheio de boas intenções, você pode achar que é assim, que as coisas acontecem porque eu quero ou porque você determina, que o mundo aí a tua volta está sob o teu controle, que os caras deixam você fazer o que quiser da tua vida, você pode achar, /// ta, então fica com Deus, eu tinha medo de mim, do que eu era e podia ser, do que se passava na minha cabeça e como eu olhava o mundo, eu podia ter sido um homem-bomba e estraçalhar corpos e fazer manchetes lucrativas e sempre bem-vindas pela mídia, podia ter sido um astro de Hollywood de filmes de ação e seus bandidos latinos, russos ou chineses ou qualquer outro alienígena que não seja o glorioso homem americano, podia ter chegado à lua num foguete recuperado da base de Alcântara e movido a dendê e dizer a terra é azul em português e trocar o avanço científico pelo escracho e bom humor, ter varado a Sibéria no trem que vai até Vladivostok ou descido pra Pequim pela Mongólia e Manchúria pra saber quantos quilômetros são necessários pra se esquecer do mundo, eu podia ter ido ver a pesca do bacalhau em Alessund nas águas geladas do mar da Noruega e esticado até Helsinki, pra entender a língua estranha falada na Finlândia e ver se existem mesmo pobres por lá como nos disse Kaurismaki, eu podia ter matado mil pessoas num dia de futebol com uma bomba caseira e virar celebridade e escrever um livro e me tornar um best-seller e objeto de estudo e vender os direitos para a megaprodução de um blockbuster, onde a tragédia ganha glamour e se espalha como arte pelo mundo afora, eu podia ter sido um apresentador de televisão e ter cem por cento de audiência durante vinte anos e pregar valores e conceitos morais e o politicamente correto, enquanto sustentava um sistema cínico do sucesso a qualquer preço, tido um teatro e um cinema de peças e filmes alternativos e cults e usar barbichas e roupinhas e tênis de brechó e andar com o olhar a meio pau e determinar sucesso e fracasso conforme meu humor despertasse ao meio-dia, ter voado num balão e ver massacres ao vivo nos desertos africanos, sentir o cheiro da carne podre dos mortos sobre o solo de Darfur até o Chifre da África, sem compreender porque se morre fácil nos lados que o mundo decidiu esquecer, varado até além do mar vermelho, por sobre o trilionário e isento e cínico território saudita, e adentrado o solo iraquiano de onde sobe fumaça de morte e óleo queimado e dali ao Irã na boca da bomba e bola da vez da beira de um ataque de nervos americana, e na volta subido e descido e passado um tempo na Groelândia pra saber como o frio me mataria quando eu me lembrasse do sol da minha terra abaixo do equador, eu tinha medo do que se passava na minha cabeça quando era menino, quando olhava o céu pela manhã e sabia que não estaria ali no dia seguinte, eu tinha medo dos rios de cheia, da água barrenta, das pontes de madeira, eu tinha medo do que eu era quando adulto, as coisas que eu fui virando aos poucos dentro da minha cabeça, conforme eu fui assimilando e fingindo entender, porque na verdade não sei de nada, não sei quem sou e nem pra que serve tudo isto, qual o propósito desta repetição, os espiritualistas têm um alivio pra isto, carma, faz parte da missão, o alivio para as culpas de todos se tudo se justifica no ato de pagar uma conta de outra época, posso dormir melhor se souber que todas as desgraças do mundo tem um propósito claro e justificável, divago, eu tenho medo desta noite e do que estou vendo pelo caminho, não as pessoas nem coisas, nem tudo aquilo que acontece nesta cidade tarde da noite, as coisas que estou vendo são outras, aquelas transportadas das paredes do meu buraco de cantos e que vão aos poucos se encaixando, clareando o significado, é disto que eu tenho medo, era disto que eu tinha medo antes de sair, uma aglomeração na saída da São Gabriel para a Santo Amaro, um desses ônibus articulados perdeu o controle na descida da Brigadeiro, naquele jeito de carregar porcos que eles aplicam ao sistema de transporte de massas, e despencou do pontilhão sobre a avenida, coisa de agora, tanto que nem policia ou bombeiros chegaram, os curiosos sentem o cheiro e se amontoam, latomia, alguns arrebentam as janelas do ônibus pra saírem, outros saem pelos vidros já quebrados, gemidos e gritos de desespero dentro e fora, algazarra, o transito vai empedrando, buzinas, enfia no cu, gente amaldiçoando no ponto de ônibus porque agora vai atrasar tudo, é pouco mais de nove da noite, o motorista deve ter sido esmagado, suas pernas estão pra fora pelo lado da sua janela, os que saem falam de mais gente morta lá dentro, um carro da polícia chega e já vai tentando botar ordem na coisa, um carro de bombeiros vem pela Santo Amaro na contramão, um grupo na janela do Friday´s faz fotos com celulares enquanto riem e comem seu isopor, outro grupo na porta de uma lanchonete faz piadas do acidente e dos povos baianos lá dentro, eu entro e peço uma cachaça porque a coisa vai longe, não que eu me importe, não será o primeiro nem o último, não que eu não sinta, é apenas um em que estamos participando, amanhã teremos esquecido e outros piores virão porque a vida segue e depois ta na conta das orações e aumenta o crédito com Deus, lembro de um escritor me dizendo uma vez na calçada de um hotel no Rio de Janeiro, ele sentado com seu livro sobre as pernas e eu com minha maleta de executivo esperando o tempo passar pra ir num puteiro ali perto, ele olhou pra mim com certa atenção e depois disse pra eu não fazer a curva da vida muito cedo, eu sorri por educação sem entender a frase, mas não queria estender a conversa, ele estava com a barba de alguns dias, a roupa era de boa qualidade mas parecia que ele estava dentro dela já há algum tempo, os sapatos sobre a calçada, ele massageava os pés, perguntei do livro, ele me estendeu o próprio, Guaiú, o título, não me ocorreu o significado mas ele adiantou, falatório, confusão, eu olhei algumas páginas, nunca fui de leitura que eu não consiga entender na primeira página, era o caso, um amontoado de palavras, letras miúdas, era um cara bem mais velho que eu, na época com vinte e três e o mundo nas mãos, ele sorriu quando eu devolvi o livro sem muito interesse, ele quis saber onde eu ia, eu tentei desconversar, ele gargalhou, uma coisa meio amarga, quase meio maldição, mas não era, era desespero, um sujeito ri sem motivos em certas situações da vida, um jeito de espantar alguma coisa, de enganar a si ou matar o que não tem remédio, calçou os sapatos e levantou-se com alguma dificuldade, senti um bafo de bebida, mas ele estava firme, era um bafo azedo, da bebida constante, um sujeito assim nem se abala mais se mantiver a conta, apenas fica um palmo acima do mundo, se contorcendo em outras estradas enquanto espera o dia chegar, ele se ofereceu pra ir comigo ao puteiro, eu sorri, ele também, e disse que faria a mesma coisa que eu se tivesse a minha idade e estivesse sozinho numa cidade como aquela, fomos parar num bar perto da praça Mauá, mesas e cadeiras escuras, lugar com história pra contar pelas paredes e pessoas de pele trincada de sol, próximo do sobe e desce nos navios, da carga e descarga de caminhões e trabalhadores da estiva, sentamos numa mesa na calçada, noite quente, ele repetiu a frase, pra eu não fazer a curva da vida muito cedo porque isto quem faz são os acidentes, aqueles que matam e outros piores, os que aleijam, evitar o que vai além do físico e afunda e gruda na alma, que leva a desistência, ao começo da descida, quando alguns partem pra certas conversas fiadas sobre a beleza interior, a inutilidade da busca pela riqueza e conforto, a importância dos pequenos detalhes, como se os detalhes não fossem todos pequenos, a sabedoria que chega com o tempo, e no caso era, ali, ele, uma questão pura de entrega, um escritor sem lugar ou o aqui e ali era o seu jeito de se ajeitar no mundo, pé na estrada por falta de alternativa ou só o desejo de estar sozinho, uma revolta contra a vida contida por um sorriso e um ar transgressor, foi esse o meu julgamento, temos a resposta pra tudo e o quadro completo da vida quando somos jovens, é fácil rotular um indivíduo e coloca-lo na gaveta mais conveniente, ele foi bebendo além da medida e uma hora sumiu para o banheiro, não voltava mais, eu desisti e paguei a conta e atravessava a rua quando alguém me gritou de volta, primeiro um depois vários me gritando, faziam gestos vigorosos da porta do bar, eu relutei, já tinha sido um alívio voltar pro meu caminho, ficar sozinho pra fazer o que eu quisesse, não teve jeito, entrei no bar e aconteceu que o velho tinha se matado no banheiro com um corte no pescoço, do lado do corpo um canivete pequeno, antigo, mas que foi o suficiente pra fazer o estrago, me perguntaram coisas sobre ele, expliquei que não o conhecia, um cara que estava no balcão me passou o livro dele, disse que o velho tinha lhe dado ao passar na direção do banheiro, abri o livro e tinha uma dedicatória pra mim, eu fechei o livro e fui saindo, queriam que eu ficasse, não tinha policia ainda e ninguém ia ligar, era só um velho que ninguém conhecia, um velho com um livro na mão e nenhum documento no bolso, pus o livro na maleta e fui embora, tentei ler o livro várias vezes, mas não consegui, não porque fosse difícil e nem era, mas porque me lembrava a toda hora do sorriso do velho na mesa do bar me falando sobre os riscos de fazer a curva da vida cedo demais, demorei pra entender ou talvez nunca tenha entendido o ponto de vista dele, mas agora, olhando este acidente e os que ficaram lá dentro do ônibus, não há filosofia nenhuma a ser compreendida lá, a curva que ele disse era esta outra aqui, que em geral não mata na hora, mas aleija pra matar aos poucos, no bom e lento suicídio, vários corpos saíram daquele ônibus, uma pena que o motorista não tenha tido chances de ver quantos matou, quem anda nesses ônibus sabe o que é ser transportado feito animal, e o pior,

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Eu sempre digo a mim mesmo que não tenho o direito de desistir. Não é nada importante o que faço, mas é meu. Eu devo fazer parte dessas probabilidades remotas, daquele número improvável de um em um milhão, daquelas coisas às quais sempre damos de ombros ou dedicamos um sorriso de condescendência. Eu sonho derrubar um gigante um dia destes. E pra isto eu tenho que continuar. Nem que seja apenas para contrariar aquela frase que algum espírito-de-porco provavelmente disse lá no início: "Esse não vai vingar".

sábado, 28 de junho de 2008

SOBRE ANACONDAS E HOMENS

Foram horas ou dias, o pescoço curvado para quase junto do carpete. Sobre a mesa de vidro ao centro, várias garrafas vazias e numa delas, um resto, dois dedos resistentes de uisque, a última reserva para o que viria a seguir. Deus teria jogado o céu para baixo naquela noite, visto a enxurrada que descia pela vidraça e um fio de água escorria pela parede, no pequeno vão da janela que eu esquecera aberto. Olhei para o teto quando virei o resto da garrafa e soltei uma gargalhada. Lembrei-me do padre na barriga da Anaconda. A história corria a cidade de Paranaguá. Uma cobra Anaconda teria escapado dos poroes de um navio que chegara da África e teria se fixado nas áreas pantanosas próximas a rodovia que sobe a serra para Curitiba. O padre que sumira depois de subir amarrado em balões teria sido engolido por aquela cobra ao cair. Alguns balões encontrados na mata seriam a prova irrefutável deste fato. Conversa. Um pior que o outro. Eu que descreio de tudo, que já andei este Brasil todo, cada hora em um lugar, um mes aqui, dois meses ali, a vida no trecho, entre fiapos de histórias de várias bocas que vão sendo contadas entre garrafas de cachaça e uma resignação que chega a doer, quando Deus é a palavra que mais se ouve. É Ele quem coloca aqueles ali, uma nação de homens invisíveis que chegam antes, que depois de tudo feito e limpo, nem se notam seus rastros, suas histórias, as dores e mentiras e saudades que cada um carrega dos que ficaram em casa, ou daqueles que inventam a casa e um grande amor pra pensar que têm pra onde voltar um dia. Tantos sotaques que parece um outro país. Entre os barulhos de martelos, maçaricos, serras de corte, guindastes, caminhões, empilhadeiras, carretilhas, fricção de metais e tijolos e canos de alumínio, carrinhos de mão, baldes subindo e descendo, ouve-se os gritos daquelas linguas todas, de homens de pouco instrução e vidas calejadas. Alguns já realizaram seus projetos e cumprem uma reta final. Outros ainda buscam e pensam em chegar a algum objetivo. E há aqueles e muitos que apenas seguem, pela diversão e sina de estar cada hora em um lugar.
Amanhã seguimos. Amanhã nos vemos. Alguns rostos se repetirão e outros novos entrarão pelo portão, pelo chão lamacento onde se jogarão pedregulhos depois. Onde do nada se erguerá alguma outra coisa, que os passantes da estrada verão pronta e brilhante dentro em breve, sem ter uma vaga idéia das mihares de histórias que dias antes passaram por ali.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Estive um mês trabalhando dentro de um canteiro de obras, na cidade de Paranaguá. O trabalho de tradução e interpretação teve de ser feito no alto de andaimes, dentro de torres de 15 metros de altura, muitas vezes sobre apenas duas tábuas e sustentado por cintos de segurança. Foi uma experiência muito interessante em todos os aspectos.
Nos próximos textos vou tentar descrever, a minha maneira, tudo o que vi e as impressões que tive.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Jonathan trabalhou nas petroleiras da Nigéria e nas minas de diamantes do Senegal até Angola. E entrou clandestino num navio no porto de Lagos, em direção ao Brasil. Três de seus companheiros foram achados e jogados ao mar. No posto da delegacia da guarda costeira, no porto de Paranaguá, misturando ingles, frances e um pouco de portugues, ele falou sobre seu mundo sem fronteiras e ouviu lições de boas maneiras a base de pancadas e elogios a sua cor. Passou a noite na cadeia e na madrugada, por razões que viria a descobrir depois, a porta da sua cela abriur-se silenciosamente. Esperou. Saiu e varou as ruas estreitas e cobertas de nevoeiro. Tudo quieto. Um barco ali perto ligou o motor e Jonathan avançou naquela direção. Do alto, via as luzes de uma ilha ali perto. Desceu a rua curta, de paralepipedos. Um grupo estranho vinha na sua direção.

Sleeping giant

Aqui perto tem um gigante que dorme na montanha. Dia e noite. Ninguém sabe quando ele dormiu, mas ninguém jamais o viu acordado. Me lembrei daquele passatempo de criança, quando deitado no chão gastamos o tempo vendo as figuras que as nuvens formam. É tudo rápido, muito rápido. Como o tempo, depois de uma certa idade. Hoje discutimos que já estamos em junho, meio ano indo embora e ainda ontem eu reclamava das festas de natal e ano novo. Pensei que o tempo deve ter começado com aquele gigante dormindo lá em cima, que todos vêem todos os dias da estrada. Ele dorme ali desde sempre, quando isto aqui foi se ajeitando pra formar o que é hoje. Desde o início dos tempos.
Hoje é quinta-feira e começa a esfriar. Choveu muito ontem. O tempo passa rápido demais. E por uma razão que não explico, estou achando muito bom.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Aos meus milhares de leitores comunico que estou trabalhando como intérprete num projeto no porto de Paranaguá, onde devo ficar por um mês, mais ou menos. Então, as postagens aqui devem diminuir um pouco. Sou pobre, não tenho lap-top e o hotel tem só um computador lento.
Vou fazer o possível para não deixá-los órfãos. Não chorem por mim, argentinha.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

FOLHA E ZÉ SARNEY: É SEMPRE BOM TER UMA AMIGO POR LÁ.

A Folha concede a Zé Sarney uma coluna semanal para que ele possa discorrer sobre o óbvio, sobre o nada. O homem é senador da república. Deve haver algum tipo de vantagem para o jornal em manter um sujeito desses enchendo linguiça uma vez por semana. Sarney, que é do Maranhão, por não ter mais voto suficiente no seu estado natal, há muito tempo mudou seu domicilio eleitoral para o Amapá, onde tem sido reeleito regularmente. Seu estado de origem, onde a dinastia dos Sarneys manda e desmanda, detem os piores índices nacionais em todos os quesitos: mortalidade infantil, educação, distribuição de renda, empregabilidade, perspectiva de vida, e por aí vai. Tudo absolutamente vexaminoso, o que deveria fazer este senador corar de vergonha, se ele tivesse alguma. Por todos os favores que deve prestar a mídia junto ao "puder", consegue uma formidável blindagem contra sua ineficiência e certa complacência para com a sua literatura medíocre. José Sarney sintetiza o pior do que existe na nossa política. E a sua promiscuidade com a mídia explica bem porque nada muda em nosso país.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

AGORA CONTA OUTRA.

Quantos sonhos ainda se pode ter, quando todo santo (?!) dia uma tragédia acontece? Eu já disse em textos anteriores que Deus fechou a sala de controle e saiu pra pescar. Será que Ele não tem razão? Acompanhem todo esse blá blá blá sobre meio-ambiente. Não deveria ser uma coisa óbvia cuidar do mundo em que vivemos e que será a casa dos nossos filhos e de todos os que virão depois? Vamos ser realistas. Política ambiental é conversa pra boi dormir em qualquer governo, em qualquer lugar do mundo. É como a ética, que todo mundo gosta de recomendar ao outro. É a economia que comanda tudo, são os índices de crescimento, são as bolsas de valores e a especulação desenfreada. É tudo um grande teatro. E nós, os espectadores passivos de toda essa farsa.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

MOMENTOS COM ALEXANDRE GARCIA E RENATO MACHADO.

Esses dois são carroceiros, ou “Burrro-sem-rabo”, como são mais conhecidos. Recolhem todo tipo de entulho que possa ser reaproveitado e vendem para ferro-velho, centros de reciclagem e outros. Encontrei as duas figuras durante um dos muitos seminários realizados no centro de convenções do Hotel Transaméricas. Este especificamente chamava-se “Métodos e Novas Formas de Reciclagem e Reaproveitamento de Entulhos e Materiais Não-Orgânicos Dentro de Uma Perspectiva Positivista Ou Como Fazer o Velho Parecer Novo”.
Embora vestidos com suas roupas de trabalho, macacões com rasgos e manchas de graxa da Fórum, sapatos de segurança de lona da FreeWay e bonés Oldboy, eles se apresentavam com certa dignidade na defesa das suas opções de vida e estilo. Renato inclusive usava um lenço de seda no bolso, enquanto Alexandre mantinha seus óculos estrategicamente caídos sobre o nariz, o que lhe dava um certo ar de circunspecção e conteúdo, como se ele estivesse realmente pensando em alguma coisa.
Eu realizava um documentário sobre as estratégias de marketing na confecção de títulos de seminários e tive a oportunidade de conversar com os dois durante o coffee-break. Eles me falaram das dificuldades encontradas hoje, num mundo cada vez mais competitivo, onde mais e mais pessoas perderam a vergonha de se dedicarem à reciclagem de forma engajada e como meio de vida. Ensinaram-me que um dos pontos cruciais para o sucesso na profissão é estar sempre atento às novas ferramentas, as quais, quando utilizadas com a esperteza devida, permitem que um mesmo produto possa ser apresentado por anos e anos de diferentes maneiras como se fosse absolutamente novo. Neste momento da conversa, Alexandre deu uma piscadinha discreta para Renato, que conteve o riso colocando a mão suavemente sobre a boca.
Ao final do seminário, os dois me convidaram para um show de João Gilberto no teatro Alfa 1. O show seria promovido por uma ONG do Rio de Janeiro, que naquela noite prestaria homenagem a João Gilberto como patrono do Movimento Nacional de Reciclagem. Por problemas estomacais, eu declinei do convite.

terça-feira, 13 de maio de 2008

CENAS PREFERIDAS

Sou fiel a certas coisas, ou talvez sejam manias de quem está envelhecendo. Há algumas cenas de filmes que gosto muito e de vez em quando vou colocando uma ou outra aqui. Esta é do filme RIO BRAVO, de Howard Hawks, com John Wayne e Dean Martin, que está magnífico no papel de um bebado, auxiliar do xerife. Nesta cena, eles vão no bar em busca de um bandido. Dean pede para entrar pela porta da frente, numa tentativa de provar que ainda é competente, enquanto o xerife (John Wayne) vai cobri-lo entrando pela porta de trás. Eles procuram um cara com marcas de barro nas botas e que provavelmente está ferido. Clique ai:
http://br.youtube.com/watch?v=lIt_54ZcnqY

segunda-feira, 12 de maio de 2008

O CAMINHO NATURAL DAS COISAS.

Sou proprietário de uma cobertura num edifício de alto padrão muito próximo da avenida 23 de maio. De lá observo a grande área verde do Parque do Ibirapuera, o planalto onde se encontra a avenida Paulista, os prédios de luxo de Moema e as mansões do Morumbi, o aeroporto de Congonhas e assim vai. Quando tenho tempo, e isto se dá sempre ao entardecer, gosto de observar o que me rodeia. Dias atrás, alguma coisa me incomodava. De minha varanda, enquanto tomava um bom champagne e revisava um organograma de aplicações financeiras, eu percebi uma grande quantidade de urubus sobrevoando e assentando sobre o topo de um hospital público ali perto. Acompanhei o fato durante três dias, pois este é um assunto relevante dentro das minhas atribuições no comando da cidade.
Alguns dias depois, fui fazer uma visita ao tal hospital. Vesti-me como um cidadão comum, “desses que se vê na rua, falava de negócios, ria, via show de mulher nua...(Belchior)” e entrei pela porta de atendimento aos populares, aqueles que se amontoam por ali todas as manhãs, que aguardam senhas e algum sorriso vago ou um simples “bom dia”. Depois de dois minutos na fila, dei-me conta que não era necessário um sacrifício imenso daqueles apenas para passar despercebido. Esgueirando pelos corredores e reconhecendo algumas portas, cheguei até o topo do edifício. Confesso que na subida me incomodava o cheiro que havia se impregnado na minha roupa, naqueles dois minutos na fila. O mesmo cheiro que eu sentia às vezes quando passava por funcionários nas alas de garagem e departamentos de serviços gerais, um cheiro denso, de suor, de ônibus cheio, de gente ofegante esperando alguma coisa que jamais chegará...No topo do edifício, a área destinada ao lixo, de um cheiro podre insuportável e onde enormes sacos pretos e tambores se amontoavam, estava tomada pelos urubus, que reviravam tudo e sequer se importaram com a minha presença. Embora a vontade fosse sumir imediatamente daquele lugar, andei um pouco pelo meio de tudo aquilo e pude observar alguns procedimentos altamente irregulares.
Na descida, já não tendo mais que disfarçar minha condição, parei na sala do diretor do hospital que fica numa área recentemente construída, apartada de todo o resto, e decorada conforme as necessidades de qualquer cargo executivo. São os procedimentos normais. Alguns ganham, outros perdem. Sobe-se, ganha-se. Os insatisfeitos de sempre vão aos jornais buscar a compensação pela sua incompetência. Pedi desculpas pelo cheiro da roupa e ele me abraçou da mesma maneira. Cordial como sempre, comentou que se era capaz de suportar aquele cheiro pelos corredores do hospital, porque não o suportaria no corpo de um grande amigo, ainda mais sabendo que com certeza eu estaria ali por alguma razão muito importante. Serviu-me um uísque e nos sentamos em duas poltronas de couro, em frente a um jardim em estilo japonês, de pequenos lagos cheios de carpas coloridas. Falamos da vida social da cidade, dos novos empreendimentos imobiliários de altíssimo padrão, de um empréstimo do BNDES que ele aguardava para a construção de um Hospital-Hotel padrão 5 estrelas, das eleições americanas e da esperança em McCain, do absurdo de se introduzir cotas raciais nas universidades e o risco de se estabelecer o racismo no Brasil, uma chaga da qual, Graças ao bom Deus estamos livres, e falamos da corrupção, da degradação dos valores morais, e todas as aflições normais do cidadão correto que somos. Na saída, depois de nos despedirmos, lembrei-me de avisa-lo rapidamente sobre o problema do lixo no alto do edifício e que conforme instruções anteriores, os fetos provenientes dos abortos que eram feitos no subsolo do hospital não deveriam de forma alguma serem descartados daquela maneira. Disse-lhe inclusive que um dos fetos que vira lá em cima ainda tinha uma cor rosada, como se estivesse vivo até minutos antes da minha chegada. Ele argumentou que devido às novas instruções da prefeitura, as empresas de cosméticos estavam relutantes em recolher os fetos que utilizavam na elaboração dos seus produtos como era feito anteriormente, com medo de que alguma noticia pudesse vazar para a mídia e compromete-las junto à opinião pública. Eu prometi rever alguns pontos da nova portaria, de modo a viabilizar a continuidade dos procedimentos, já que não era possível aquela imagem de urubus sobrevoando um hospital público. Não ficava bem para o hospital, nem para a prefeitura e ainda comprometia a bela vista que eu tinha da minha varanda.
Hoje vejo que os urubus sumiram, o que indica que tudo deve ter voltado ao normal lá no hospital. É bom assim.
De tempos em tempos desço até o porão, escondido atrás de uma porta de folha única, no final de 230 degraus. Deslizo, para descrever melhor o estado de espírito que me leva até lá. One-man band, vou narrando o trajeto em algum tipo de poesia, pra colocar sobre ela a trilha sonora que me segura de pé em momentos assim.
Clique ai:
http://br.youtube.com/watch?v=5-DjluKLY14&feature=related

sábado, 10 de maio de 2008

PODE DEIXAR QUE A GENTE CUIDA DOS CHINESES















Preocupados com o crescimento do consumo interno de alimentos, os chineses estão pensando em adquirir terras em outros países para cuidar do assunto. Simples, não? Compram terra barata por aqui, por exemplo, e exportam para eles mesmos. E é bom tomar cuidado porque os chineses não negociam sozinhos, estão sempre em grupos (ia dizer bandos, mas pode não ser politicamente correto).
Já me adiantando à esta questão, estou de conversas com um amigo meu que possui vastas extensões de terra aqui no litoral, ali pela região de Peruibe. Ele havia comprado estas glebas anos atrás, quando foi procurado por um grupo imobiliário que estava responsável pela área e envolvia partilha entre herdeiros, estas coisas boas de assistir, quando o ser humano coloca para fora o melhor de si. A abordagem é que foi inacreditável. De acordo com ele, numa tarde em que estava em seu escritório, com um sol fraco de inverno batendo na janela e uma preguiça grudada em suas costas desde o meio-dia, alguém lhe telefonou, e já lhe chamando pelo nome completo, identificou-se como sendo de um grupo muito especial de corretores, com um negócio daqueles da China (entenderam, entenderam???). O meu amigo, sempre pronto a desviar o rumo de qualquer conversa quando sentia cheiro de trabalho, ou de confusão, que sempre dá trabalho, perguntou como teriam chegado ao seu nome. E daí a revelação surpreendente: numa sessão do curso de paranormalidade entre doutores da USP, quando se fazia testes para verificar a utilidade econômica desta ciência, naquele momento, com todos os mestres de mãos dadas, surgiu o nome inteiro do meu amigo, como sendo um possível beneficiário do empreendimento imobiliário utilizado como parte fundamental daquele experimento científico. Convenhamos: esse pessoal de vendas e marketing não descansa. Quem já ouviu falar de uma abordagem desta pra vender um terreno no litoral? Mas não era um terreno, eram glebas imensas. Segundos depois, enquanto fazia hora na máquina de xerox, meu amigo pesou a resposta que havia dado: iria pensar. E deixou o telefone de casa. Quem conhece os esquemas de vendas sabe que numa situação assim o inferno está devidamente instalado. Bom, se a paranormalidade é uma benção de Deus (disseram isto pra ele), então ele devia ser um escolhido do Homem. E caiu de cabeça no negócio. Convenceu o sogro a vender o carro e tirou um empréstimo no banco, tendo o cunhado como fiador. Alguem tinha que entrar com o dinheiro já que a parte dele ele já havia feito, que era ter sido indicado pelo pessoal do outro lado, você sabe, lá...do outro lado. Essa glória não é pra qualquer um. Como em coisas assim o desgôsto é certo, depois de vistas todas as fotografias aéreas do empreendimento feitas por "profissionais da nossa confiança", fechou-se o negócio. E marcou-se o dia para visitar o local.
Resumindo: parte das glebas ficavam praticamente dentro d'água, outra parte em reservas ambientais, e um restinho em áreas onde, com alguns caminhões de terra e muita reza, poderia se fazer alguma coisa.
Essas "terras" continuam lá, se arrastando dentro um processo judicial interminável. O importante é que os herdeiros ficaram todos felizes, os advogados antes deles, e o curso de paranormalidade da USP saiu um pouco arranhado do episódio. Mas coisa assim bem de raspão mesmo, já que o pessoal da USP é muito bem relacionado na mídia e logo o assunto sumiu das redações. A amizade é uma coisa muito boa.
Voltando ao início, eu e meu amigo estamos de conversações para ver um jeito de passar a perna nos chineses, um povo sabidamente ruim de negócios e fácil de enganar. Se juntar isto à esperteza do meu amigo e à minha, que acabei de comprar um chevette 78 com menos de 2000 km rodados, "não saía da garagem" me garantiu o vendedor, a coisa vai.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

MINHA VIDA DE BOXEADOR

Pouca gente sabe, mas já fui boxeador e quase cheguei a profissional. Poderia ter sido em qualquer categoria pois eu tinha problemas sérios em me controlar com a alimentação. Ia do peso-pesado ao peso-pena em questão de dias, conforme o humor e a falta de dinheiro. Nunca fui muito alto e o máximo a que cheguei foi 1,78m, nos dias em que eu me achava importante e capaz de mudar o rumo da vida. Treinava num ginásio ali perto da rua do Gasômetro, na época que o gás da cidade era fornecido pela Bristh ges, era assim que o povo dizia. E daí se vê que eu devo ter hoje uns 110 anos de idade. O ginásio era pequeno, com dois ringues, um banheiro e um cano na parede de onde descia um jorro grosso de água, gelada na maior parte do tempo. Era bom, porque batia com o que tinha em casa. Não faz bem pegar gosto com coisa boa e diferente e depois refugar na hora de voltar pra miséria. Eu treinava sempre com o Zédinho, um sujeito mais forte e bem mais ignorante do que eu, que vivia de desentortar botijão de gás, profissão muito reconhecida naquela época. Aqueles que se dizem "martelinho de ouro" deveriam ver aquilo. Era um tipo quadrado e sem pescoço, de fala confusa e muito bruto na hora de descer o braço na gente. E tem mais, lutava sem luvas porque dizia que era bom pra engrossar os dedos mas o fato, diziam, é que não havia luva do tamanho pra acomodar as patas do Zédinho. O treinador, seu Borges de Medelin, tinha nascido numa cidade perto do Vale do Jequitinhonha, no tempo que aquele lugar era miserável, bem diferente do que é hoje, como se sabe. Era um senhor de fala mansa, que parecia não se importar nem um pouco com o nosso futuro, embora nos contasse várias mentiras sobre grandes conquistas de atletas em outras épocas, sempre antes das lutas. Foi o precursor dessas palestras motivacionais de hoje em dia, de onde o sujeito sai olhando pra cima só na espera do universo conspirar a favor. Borges de Medelin teve dezoito filhos e todos eles trabalhavam no ginásio e riam muito durante nossos treinamentos. Não havia muita diversão naquele lugar, muito menos pra tanta gente de uma familia só. Nem eu nem Zédinho demos seguimento a profissão, apesar das muitas vitórias que tivemos sobre uns lutadores de menor envergadura de uma academia ali da Mooca, perto da linha do trem.
Encontrei Zédinho jogando sinuca outro dia, num buteco ali perto do Carandiru. Ele me abraçou e chorou muito quando me viu. E não posso dizer que não fiquei emocionado também. Conversamos muito sobre aquele tempo e tudo o que aconteceu com nossas vidas depois daquilo. Depois de certas novidades que o Zédinho me contou, eu vou ter que voltar neste assunto mais pra frente, só pra corrigir algumas imprecisões que eu carregava na memória a respeito daquele tempo.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

"Ruas Erradas" é um texto de teatro que estou transformando também em roteiro para cinema.
O que eu conseguir fazer primeiro (teatro ou cinema) é o que será. Como eu não consegui nem um real para o longa "Proteção", apesar da lei de incentivo, então talvez eu faça este antes.^
Três personagens e um apartamento. Sendo apenas uma locação eu acredito que com bons ensaios, poderemos economizar tempo de locação de equipamento. Acho que dá pra fazer em 10 dias. E com R$50 mil, já incluindo a licensa Dolby, acho que dá pra fechar. Não é fácil?
O problema é que ainda não tenho esses 50 aí. Então vamos indo. E ver no que dá. Quando tiver que ser.

Nota: Mudei de endereço porque perdi o tesão de escrever no outro blog. Um pessoal do mal andou por lá e não me sinto confortável imaginando aquela gente me visitando.