Pelo
que me consta, isto não vai durar para sempre. E não vai resolver
prestar muita atenção no tic-tac do tempo (no tempo em que tic-tac não
era balinha pro bafo), que as tuas lamúrias não vão mudar nada.
Hoje venta forte pelos lados de cá. Há uma pilha de
coisas a fazer sobre a mesa – aquela que eu mesmo
fiz – e sobre o sofá de reserva – aquele que agora é um armário aberto.
Por que o cenário do Jonathan Ross parece saído de uma daquelas lojas
de móveis embaixo do Minhocão?
Quem nos trouxe até
aqui foi um germe invisível, empurrado por uma massa de energia que
tentamos entender. Contornou o nosso desequilíbrio, ordenou o lugar das
coisas, nos deu a inteligência e com ela instalamos o caos. Isto antes
do portal. Depois dele, a escrita nos explica de várias formas. Bem,
isto deve ser o resumo de um dos trabalhos a ser feito neste feriado.
Logo que eu me ponha de novo no lugar.
Nos
tempos em que gostava de cerveja - e de todas as garrafas ordenadas nas
prateleiras – eu já estaria na estrada agora. Estaria contando uma
história, estaria rastreando a origem das coisas e ajeitando os móveis
de uma casa fictícia onde mora Adélia, de um conto que perdi. Mas
remontei minha história, ainda que o melhor dela esteja naquela zona
cinzenta entre dois caminhos, quando soube os custos e benefícios de ser
livre.
Já perceberam as marcas de enchente nas paredes
das casas, nas regiões baixas, nos lados do Brás e Cruzeiro do Sul?
Aquilo marca um tempo – esse tic-tac quase imperceptível que vem do
relógio de camelô sobre a minha estante – e as pessoas que estavam por
ali podem não ser as mesmas. Mas numa mesa de bar, entre um
fogo-paulista (é, eu me lembro!) e cerveja, as suas narrativas poderiam
ser bem parecidas.
Há histórias num pen-drive que
acabei esquecendo no meio de cds, dvds e rascunhos de um dia qualquer,
de personagens por descrever. É engraçado isto, e quem escreve sabe. Nos
primeiros esboços de um personagem ele já ganha corpo e arranja um
espaço no seu dia a dia. E com o tempo, já consta dos registros
oficiais, com direito a RG, CPF e contagem de tempo de aposentadoria.
Alguns nascem velhos, com histórias que eles vão me contando aos poucos.
Vida e aleatoriedade é a mesma coisa, eles me dizem, com a sabedoria de
uma existência que ainda vou descobrir. E aqui está uma coisa que você
já ouviu e que os escritores sabem: depois que nasce um personagem, é
ele quem guia o escritor e não o contrário. É assustador, é
surpreendente, logo, é um vício.
Ao trabalho,
pois.
sábado, 2 de novembro de 2013
segunda-feira, 23 de setembro de 2013
NOSSOS ANJOS.
O anjo protetor sentado no canto da minha sala é o
mesmo que espera Suzi, a prostituta, deixar seu trabalho no Golden Saloon – um night
club numa estrada de terra que liga qualquer lugar a lugar nenhum. Este milagre
da onipresença só pode ser compreendido dentro do caráter ficcional das crenças
que nos confortam. Não importa a verdade aqui. Importa que a vida comporta a
morte e apenas isto é o bastante para que desconfiemos da nossa autossuficiência.
Suzi e eu somos diferentes. Ela aprendeu na carne – de forma literal e
figurativa – a capacidade humana de impor ao seu semelhante uma forma abjeta de
luta pela vida.
Eu escrevo textos para uma revista de variedades e a minha
função é tornar glamorosa e bem sucedida a vida de Suzi, para que durmamos em
paz sob o olhar do anjo que guarda a nós todos. Não importa que Suzi esteja
estragada para a vida aos 26 anos no quarto imundo de um bar para machos, em
algum lugar do sudoeste. O que interessa é que eu e Suzi vivemos sob a vigília
do mesmo anjo. Saber se a conta vai fechar no final é o mistério que me
amedronta. E para o qual, Suzi não está nem aí.
domingo, 22 de setembro de 2013
MAS ISTO É PASSADO...
Há muito,
muito tempo atrás, numa época em que a disputa do mundo se dava no campo, as
famílias precisavam de mão de obra para arar, plantar, cultivar e colher. Daí a
grande quantidade de filhos.
Era um tempo difícil e de pouca compreensão do
mundo. As grandes distâncias impossibilitavam o conhecimento de outros povos,
outras culturas e, portanto, não existia o intercâmbio de informações.
A rotina
era simples e com um objetivo claro: vencer sem sutilezas. Um mundo desprovido
de discussões “tolas e acadêmicas” como direitos individuais, de classe, de
gênero e de raça. Um mundo movido à força.
Os filhos mais fracos eram vistos
com desconfiança pelos pais rigorosos – um tempo de gravidez e expectativas
desperdiçadas com uma capacidade de trabalho limitada e sem futuro.
Já que estavam ali, esses fracos eram criados
mais ou menos como os outros, porém sem a aprovação dada aos mais fortes, os
que saiam para o trabalho duro do campo, os que suportavam horas de enxada sob
um sol impiedoso, os que desciam o morro lado a lado com os mais velhos, os embrutecidos
embrutecendo os embrutecedores de amanhã.
Os fracos cresciam convivendo com as
chacotas de pais, irmãos, vizinhos e quem mais quisesse – era um tempo difícil,
toda diversão era bem vinda.
Esses seres sem futuro acabavam se ajeitando no
mundo, graças à posição na fila garantida por Deus: Os últimos serão os
primeiros. Casavam-se, tinham filhos. Embrutecidos pelas razões inversas, jogavam nos filhos as mesmas regras, os
mesmos costumes, dando seguimento a uma sociedade fundamentada no custo-benefício.
O amor, produto raro, era reservado aos que fizessem por merecer, os bem-aventurados
fortes e resistentes premiados por Deus, Este sempre invocado para dar
legitimidade a toda forma de brutalidade.
Mas isto foi há muito, muito tempo atrás. Hoje todo mundo sabe que essas coisas não existem mais...
O curioso é que volta e meia encontramos pessoas
que enaltecem a violência como forma válida de educação. Incapazes de decifrar o mundo em que vivem, levantam os
braços aos céus por terem sido doutrinadas desta forma.
Não compreendo. Deve
ser resultado de algum elo quebrado viajando no tempo.
sexta-feira, 13 de setembro de 2013
NOITES NO TEATRO
Eu te encontro na mesma esquina de sempre. As paredes
escuras do velho teatro estão ali, pano de fundo para a nossa conversa que
oscila, sempre, cambaleia. Por um milagre dos santos que regem o destino dos
inseguros, nos acertamos no final.
Sentamos no primeiro dos três degraus que
antecedem a porta de duas folhas, alta e descascada. Pego sua mão e leio as
linhas como se fosse a primeira vez, e como posso – podemos – eu refaço teu
trajeto, invento precipícios e te coloco em pontes de corda, rios cheios, gargantas
de pedras, cavernas de 400 km sob o solo de um deserto mexicano, pra sair do
meu lado, eu, teu ponto fixo à espera.
Um
mendigo senta-se na calçada a nossa frente, mas não nos vê. Sei disso porque
fiz aquela reza que nos deixa invisíveis, pra te proteger. Nunca se sabe onde o mal
se esconde.
Há uma coisa sempre boa neste silêncio que nos protege das frases
mal feitas, ou pior, das palavras escolhidas. É o rugido permanente da cidade,
um conforto estranho mas reconhecível, como se ela nos recolhesse no seu caos
de perigo e prazer, com a garantia e calor dos velhos amigos.
É tarde, grupos estranhos descem a rua em
direção ao terminal. O fantasma abre uma das folhas da porta e nos recolhe.
Sentamos nas banquetas junto ao balcão. As luzes apagadas das prateleiras, o
cheiro de mofo que vem das coxias e das poltronas velhas, um fio de luz
dependurado sobre o palco, que daqui vejo por uma fresta.
Entramos e nos
sentamos na última fileira, pelo prazer de analisar vidas pelo formato da
cabeça ou pelo jeito que elas se movem, pelo andar vacilante dos que chegam no
escuro, pelo jeito esquivo do homem que irá sentar-se na poltrona da beirada,
para sumir sem ser notado.
Agora conversamos, e nos amamos, nossos gemidos,
risos e gargalhadas ricocheteiam e ocupam todas as reentrâncias do teatro vazio.
Hoje, como todas essas noites, não há espetáculo.
E daqui a pouco vamos embora,
enquanto não acaba o efeito da reza que nos faz invisíveis.
sábado, 7 de setembro de 2013
ENQUANTO DESÇO OS DEGRAUS.
Eu ajeito as peças do
tabuleiro. A soma que daria o todo se perdeu nas beiradas e cantos corroídos pelo
tempo e uso equivocado. Você prepara na tigela
a salada do almoço, os gestos seguindo um comando que grita de algum vazio do
passado. A nossa tolice insiste, a nossa negação nos leva às historias que se
repetem desde que o mundo explodiu por aqui.
Éramos liberais, na nossa forma enviesada de ver a realidade. Lembra? Modernos,
nosso andar leve carregava algo da arrogância de quem havia passado um tempo do
lado direito de Deus. Aquele sorriso de canto, o olhar de cima, a grosseria
embalada de censura refinada a toda ousadia que confrontasse a altivez de quem tudo
sabia.
Eu dobro os lençóis, encho de soco os travesseiros e afasto a cortina
para o sol que ainda não veio. Você recolhe o lixo, empilha a louça e com
meio copo d’água tenta salvar as begônias que se perderam na terra morta.
Somos
meio que erva daninha, de talos que embruteceram e desfiguram o aço das enxadas,
que carrega a sombra de uma flor bela que formava a aparência adequada a toda
hora e circunstância.
Você empacota os últimos objetos. No arremate, um laço vermelho.
Espana a poeira que circunda os utensílios que saíram há pouco no caminhão de
mudanças. Eu forço o zíper das malas, ato final antes de nos voltarmos para
a casa vazia.
Fizemos uma vida, vivemos uma cidade, experimentamos um mundo,
conhecemos o prazer e o horror das nossas qualidades e defeitos.
Agora ouço
você tossindo levemente enquanto desce pelo elevador. Eu bato a porta antes que
as memórias deixem as paredes e desço pelas escadas.
São dez andares e tudo
pode acontecer.
sexta-feira, 6 de setembro de 2013
ME ADICIONA, ZUMBI?
Onde anda seu pensamento positivo? Cuidado que o universo te
observa e pode te condenar ao bem e ao mal em questão de segundos.
Você se acha
melhor que as correntes infindáveis de citações enriquecedoras, escavações das
nossas melhores intenções, duvida de tudo e não vê a grande verdade: Como
somos todos bons!
Por onde anda os seres humanos reais, aqueles que infernizam
nossa vida ao longo do ano, com suas maldades silenciosas, seus disfarces em
frases curtas e sorrisos inocentes, (ops, foi sem querer)?
Onde anda a verdade
das religiões, que com pequenas variações de métodos pisoteiam as nossas culpas
todo santo dia?
Honestamente, o ambiente tornou-se insalubre. Claro que você
pode argumentar que o problema sou eu. Ainda vale o clichê de matar o
mensageiro quando a mensagem faz barulho demais.
Como se tornou fácil o
discurso engrandecedor, indignações de toda cor e para todas as tragédias do
mundo que sempre estiveram no mesmo lugar. Ah, mas agora somos uma grande
comunidade, somos parte das redes sociais, agora somos todos bem informados –
aliás, tão bem informados que andaram compartilhando mensagens de condolência
pela morte do Mandela meses atrás.
Não, meu amigo. Apenas vestimos todos o
manto de boutique de super humanos, super antenados, super descolados, super
filhos de Deus e amantes da humanidade. E de olho no número de “curtir” que
rende cada post. Próximo!
Honestamente,
que porre!
E essa “galera” que agora compartilha qualquer merda de aparência
revolucionária que vai mudar os destinos do mundo, mas que lá na página
original esconde um fascista de carteirinha, apoiador de militares e de ditaduras,
imbecil até o osso e freguês de excrescências como Marcelo Resende, Datena e
outros?
Eu só posso chegar a uma
conclusão, que vai causar a tristeza dos conservadores e encher de alegria o
coração dos fãs das franquias chupadas de George Romero: Os zumbis
venceram e tomaram as páginas das redes sociais.
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