sábado, 4 de dezembro de 2010

UM INTERVALO PARA

Esquecer o que o tempo me cobra, o que a vida me leva.
Esquecer as escolhas erradas e as convicções tardias.
Esquecer minhas certezas frágeis, a fé cambaleante.
Esquecer as lembranças em postite e os calendários atrasados.
Esquecer a sombra na parede, a poesia das noites escuras.
Esquecer a fala mansa dos homens e o corte afiado da língua.
Esquecer a urgência de ser, a falácia de me posicionar.
Esquecer o desespero das preces e a cumplicidade das catedrais.
Esquecer o resto sujo das ruas, nossos pedaços pelas calçadas.
Esquecer a crueldade dos dias e o massacre da vida que se repete.
Esquecer o que poderia ter sido, sabendo que nada volta,
Nada cede,
Tudo cansa.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

CADA UM NO SEU CANTO.

Se eu já não suportava a pretensão das religiões e crenças diversas (todas) de serem porta-vozes de Deus e de colocarem na boca do Criador coisas que nunca foram ditas e que servem apenas aos seus bem mundanos interesses, agora então eu não posso nem ver ou ouvir essa gente. É um absurdo que elas tentem enfiar goela abaixo da nação as suas crenças e, além disto, tentem, no campo da política, CHANTAGEAR, esta é a palavra, os candidatos que não disserem amém às suas regras. Eu sinceramente espero que elas fracassem nesta pretensão. Do contrário, estaremos entrando numa era onde a liberdade de escolha, em todas as suas variantes, estará seriamente comprometida.
Sim, é preciso pedras nas mãos de vez em quando. É preciso mostrar os dentes quando colocam à prova os limites da nossa tolerância, quando se toma generosidade por subserviência.

sábado, 18 de setembro de 2010

DISTRAÇÕES.

Eu dobro o guardanapo enquanto ouço as últimas grandes verdades. Me consolo com a minha ignorância, na esperança de que tudo mude um dia. Rezo com minha fé pisoteada pelas andanças e incertezas. Faço um brinquedo de balançar com o guardanapo e observo os rostos ao redor, as palavras em atropelo, quase gritos, a morte dos argumentos. Lembro-me de nossa estrada, das nossas conversas silenciosas, a casa que seria construída, a árvore que seria plantada, o livro que seria escrito. Acreditávamos e isto bastava. Acostumei-me ao silêncio e ao aprendizado de que o melhor nunca precisa ser dito. Tomo um gole de café e me lembro de um homem arrastando os chinelos pela casa na madrugada. Eu sabia a sequência: primeiro os chinelos, depois o barulho de panelas e finalmente o cheiro de café. Passo o pensamento para o meu brinquedo de papel sobre a mesa agora abarrotada de restos. Entram finalmente as palavras lentas e um pouco de quietude. É como as águas acalmando, o vento morno ao entardecer e aquela sensação de que pouco ou quase nada mais se precisa para viver. E me renovo nas distrações que o silêncio me ensinou a construir.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

UFA! ENTÃO A DIVAGAÇÃO NÃO É DOENÇA.

Para aqueles que como eu e a maioria dos escritores tentam entender a vida através da divagação ou, como dizem alguns, parecem viver em um mundo paralelo, é sempre bom saber que a ciência nos defende e nos dá razão:

CONTARDO CALLIGARIS - (Folha de S. Paulo - 09/09/10)

Leia com atenção - ou não

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Novas pesquisas valorizam a divagação e o devaneio, ambos hoje considerados indispensáveis para pensar
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A SEXTA temporada de "House" está acabando, no Universal Channel, e a sétima é iminente. Quem segue a série sabe que, frequentemente, o achado decisivo do médico House acontece, digamos, por distração.
Durante uma boa metade de cada episódio, House testa todo tipo de hipótese diagnóstica, enquanto o paciente sobrevive a exames e tratamentos inúteis.
Mesmo durante essa primeira fase, House não avança graças a sei lá qual capacidade focada de examinar e interpretar os sintomas do paciente. Ao contrário, ele funciona direito só numa espécie de jogo em que os membros de sua equipe, meio que no chute, levantam hipóteses que ele derruba.
Essa componente lúdica e divagadora de seu funcionamento aparece em outras circunstâncias: o paciente está morrendo e House (para pensar melhor ou para não pensar?) toca guitarra elétrica, ironiza a vida sentimental de um amigo, brinca com uma bola.
Reconhecemos facilmente a hora do diagnóstico final e correto porque 1) faltam 15 minutos ao fim do episódio, 2) repetidamente, esse diagnóstico surge quando House se perde num pensamento que não tem nada a ver com o paciente e sua doença.
Imagine, por exemplo, que o paciente esteja morrendo ou prestes a ser operado por causa de um diagnóstico errado. House entra num bar para assistir a um jogo de futebol. Vergonha: ele deveria estar preocupado com seu paciente, não é? Mas eis que um zagueiro faz um gol contra, e a distração desse momento-futebol permite que House se lembre de que, às vezes, o organismo também faz gol contra: heureca, doença autoimune!
Para os psicanalistas, essa situação é familiar. Freud recomendava que os pacientes fossem escutados com "atenção flutuante". Ele não sugeria que, durante a sessão, os analistas lessem o jornal ou cuidassem de seus e-mails.
Mas acontece que interpretar significa juntar dois pensamentos que, à primeira vista, não parecem ter muito a ver um com o outro. Para que isso aconteça, é preciso manter aberta a porta da divagação, de modo que pensamentos estrangeiros ao contexto não sejam barrados por princípio.
O diagnóstico médico e a escuta psicanalítica são processos que exigem um exercício criativo, se não inventivo. Neles, pode ser bem-vindo, AO MESMO TEMPO, divagar (ou mesmo devanear) e seguir os caminhos focados do pensamento que executa uma tarefa.
Nos anos 60, o metilfenidato (um estimulante) começou a ser usado para tratar o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) em crianças em idade escolar. De 60 a 90, o diagnóstico de TDAH aumentou brutalmente: nos EUA, por exemplo, de 12 crianças em cada mil nos anos 70, chegou-se a 34 em cada mil nos anos 90.
Seja qual for a realidade neurológica e psicológica do TDAH e seja qual for a eficácia do seu tratamento com metilfenidato, é difícil não constatar que a epidemia tem também uma explicação cultural.
Sua história começa logo nos anos 60, uma época em que divagar (perder-se no pensamento e pelo mundo) era um valor positivo da contracultura. Desde então, voltamos a prezar o olhar focado do predador. O ápice dessa reação (e do diagnóstico de TDAH) foi a religião do sucesso dos anos 90.
Ora, começam a aparecer pesquisas que revalorizam a divagação e o devaneio. "Descobrimos" o que já sabíamos: há uma desatenção sem a qual não se consegue pensar nada que valha a pena.
Usando apenas o dito "controle executivo" focado, conseguiremos cumprir tarefas adequadamente (mesmo assim, à condição que não haja imprevistos), mas não inventaremos nada. A própria invenção científica (não só a criação artística) pede um uso simultâneo de controle executivo e divagação.
Duas pesquisas, para quem quiser ler (com atenção, claro): www.migre.me/1aZZu e www.migre.me/1b57h.
A segunda documenta (por ressonância magnética funcional) a cooperação possível de pensamento focado e devaneio (que ainda são, por muitos, considerados como atividades exclusivas uma da outra).
À luz dessas pesquisas, seria bom reavaliar nossa hipervalorização da atenção focada e, sobretudo, nossa medicalização sistemática de crianças que, às vezes, com toda razão, gostam de sonhar de olhos abertos.

ccalligari@uol.com.br

domingo, 15 de agosto de 2010

sexta-feira, 30 de julho de 2010

E ANTES QUE VOCÊ PERCEBA...

O conteúdo está dentro da caixa.
A caixa precisa ser colorida.
A caixa precisa de um design inteligente.
A caixa precisa ser politicamente correta.
A caixa precisa salvar o planeta.
É preciso haver setas mostrando onde está a caixa.
É preciso publicidade para dizer o que está dentro da caixa.
É preciso alguém para recomendar o conteúdo da caixa.
É preciso ter dinheiro para fazer publicidade para que alguém experimente o conteúdo da caixa.

O conteúdo está dentro da caixa.
O conteúdo dorme solitário e se acha auto-suficiente dentro da caixa.
O conteúdo não sabe que está morto dentro da caixa.
O conteúdo não grita na prateleira.
O conteúdo não conquista mulheres.
O conteúdo não ganha prêmios de publicidade.

O conteúdo está dentro da caixa.
A caixa dá receitas e ensina a cozinhar.
A caixa cura doenças e destrincha a filosofia.
A caixa controla a natalidade e resolve o desemprego.
A caixa acalma o espírito e faz conspirar o universo.
A caixa explica Deus e economiza neurônios.
A caixa é pura felicidade e ausência de conteúdo.

O conteúdo está dentro da caixa.
O conteúdo sabe do seu destino nos últimos círculos do inferno.
O conteúdo apodreceu nas casas de saber.
O conteúdo evaporou na era de coelhos e chalitas.
O conteúdo morreu nos workshops de escrita.
O conteúdo é puro desespero na soberba da caixa.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

SOBRE UM RÁPIDO ENCONTRO.

Pode ser que um dia eu entre novamente naquele trem. Aquele, que vai para o oeste e que tinha os bancos revestidos com courvim verde desgastado. Eu vou querer sentar na janela quando chegar naquela estação no meio do caminho em que você me esperava. Lembra o quanto rimos, com aquela nossa risada de 17 anos, quando você me disse que tinha medo do futuro e eu respondi que ele tinha acabado de chegar naquele trem? Eu era bom com palavras e a vida parecia bem mais leve. Ou fui eu que demorei pra chegar no guichê de informações, quando a ficha cai e a dúvida e o medo se estabelecem. Você estava um passo à minha frente, já tinha passado por lá, daí seu temor.
Ontem reli uma carta tua, escrita anos depois, quando você estava de saída para o Vale das Sombras, aquele lugar que você dizia temer, mas que agora parecia tão pronto e óbvio. Você dizia que gostava da sonoridade do nome do lugar, Vale das Sombras, e lembrava de como eu queria conhecer o Deserto de Nevada, pela mesma razão, pela sonoridade do nome.
Era uma carta breve, na medida do tempo que durou nossas horas naquele trem. Breve e intensa e com tanta coisa em tão poucas palavras (o fim iminente daquela viagem de trem nos deu a capacidade de concisão).
Pode ser que um dia eu entre novamente naquele trem. Aquele, que vai para o oeste e que leva pessoas para a inesperada experiência e cicatrizes dos breves encontros.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

ENCONTROS COM DEUS NA VARANDA.

Afinal de contas, é impossível esquecer que é preciso viver. E a vida não tá nem aí se gostamos dela ou não, ela simplesmente segue, every fucking day..., ora não se impressione, é apenas a tentativa de uma tirada bem humorada.
Eu gosto do sol na minha varanda, aquela que ainda nem existe. Ele acabou de cruzar o topo do morro, é bem cedo agora. Ainda vejo orvalho sobre a parte sombreada do gramado ali pouco abaixo de mim. Sinto cheiro de café que vem de algum lugar que não é aqui. Certos cheiros transcendem o tempo, seguem grudados na memória pra reavivar nos momentos em que precisamos renascer. Cheiro de café e lenha queimada e som de água escorrendo por uma bica que não cessa. Graças ao bom Deus que me lembro do som dessa água e do seu gosto fresco que me traz pessoas boas com quem vivi.
Ouço conversas, assuntos que muitas vezes não me interessam ou não me despertam atenção. Nessas horas, faço projetos, desenho uma casa, construo uma vida futura de calma, espera e reflexão. Me distrai e me joga pra outro lugar, para os momentos de silêncio que talvez seja o que realmente importa.
Cada um encontra Deus onde quer. Eu O encontro todos os dias na minha varanda que ainda nem existe.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

PAUSE-SE.

Quando você piscar já terá passado. Aquela distância que você via na adolescência hoje parece uma pretensão perdida no tempo, trocada por algo que chamamos temerosamente de realidade. Não vale a pena discutir com a vida, ela não pode te ver ou ouvir, não tem cabeça, logo nem olhos ou ouvidos. Tire os sapatos e sente-se na calçada por uma vez apenas, conceda ao seu corpo exasperado esta oportunidade de respirar e olhar. Olhar. E não é que tudo passa mesmo mais devagar do que parecia? Aposto que você nunca tinha reparado naquela lua quase transparente perdida no céu, na descendente, às 10 horas da manhã. Há um espetáculo funcionando 24 horas por dia, para todo e qualquer gosto. Observe.

domingo, 27 de junho de 2010

TEIMOSIA.

Enquanto me sobra disposição e insistência, talvez a burrice travestida, eu vou rabiscando meus planos. Pode ser que seja a coisa mais idiota do mundo um sujeito ter planos aos 53 anos, mas eu não ligo pra torcida. Posso ficar cabisbaixo às vezes, como o Buster Keaton da foto aí do lado, mas é da vida. Altos e baixos e olhando pra frente. Eu reconto os anos todos os dias pra não esquecer que tive que recomeçar do nada, e isto não é pouco não minha gente. Sei de alguns que teriam resolvido tudo com um tiro na cachola. Mas eu tenho um grande apego à vida por mais estranha que ela possa parecer de vez em quando. E tento não olhar em volta para não ficar me comparando àqueles que se deram bem. São circunstâncias completamente diferentes e o mérito não depende delas. Pode ser que tudo fique para a próxima, se houver, se o cabo não for desligado definitivamente nesta quando chegar a hora. Como não sei, sigo. Com alguma ilusão de que estou criando o que me espera na virada da esquina.

sábado, 26 de junho de 2010

A VIDA SEGUE.

Nem acho que seja tanta coisa. Mas toma bastante meu tempo por toda expectativa que geram. E vocês sabem, expectativa=frustração. Não dá pra ser diferente. Quem se mete com arte, seja ela qual for, vai aprender a viver com esta palavra, frustração.
Pouco importa. Estou captando recursos para um longa metragem (Proteção). Acabei de publicar um livro (Norte toda vida) no Clube de Autores. E uso as redes socias, Orkut e Facebook pra tentar divulgar meu trabalho e conseguir algum apoio.
Enquanto não alcanço o valor do filme, estou escrevendo um roteiro para ser realizado com 3 atores, em Minas, sem dinheiro, com a minha câmera velha, que é o que tenho.
E assim se vai. Não vejo como mudar isto agora.
Estou saindo de dois dias de uma dor de cabeça muito forte. Isto me irrita e me tira a concentração. É isto.

sábado, 5 de junho de 2010

Como algumas pessoas estão colocando em dúvida este assunto, eu publico novamente o texto a respeito do meu tempo de boxeador:

sexta-feira, 9 de maio de 2008
MINHA VIDA DE BOXEADOR
Pouca gente sabe, mas já fui boxeador e quase cheguei a profissional. Poderia ter sido em qualquer categoria pois eu tinha problemas sérios em me controlar com a alimentação. Ia do peso-pesado ao peso-pena em questão de dias, conforme o humor e a falta de dinheiro. Nunca fui muito alto e o máximo a que cheguei foi 1,78m, nos dias em que eu me achava importante e capaz de mudar o rumo da vida. Treinava num ginásio ali perto da rua do Gasômetro, na época que o gás da cidade era fornecido pela Brish gues, era assim que o povo dizia. E daí se vê que eu devo ter hoje uns 110 anos de idade. O ginásio era pequeno, com dois ringues, um banheiro e um cano na parede de onde descia um jorro grosso de água, gelada na maior parte do tempo. Era bom, porque batia com o que tinha em casa. Não faz bem pegar gosto com coisa boa e diferente e depois refugar na hora de voltar pra miséria. Eu treinava sempre com o Zédinho, um sujeito mais forte e bem mais ignorante do que eu, que vivia de desentortar botijão de gás, profissão muito reconhecida naquela época. Aqueles que se dizem "martelinho de ouro" deveriam ver aquilo. Era um tipo quadrado e sem pescoço, de fala confusa e muito bruto na hora de descer o braço na gente. E tem mais, lutava sem luvas porque dizia que era bom pra engrossar os dedos mas o fato, diziam, é que não havia luva do tamanho pra acomodar as patas do Zédinho. O treinador, seu Borges de Medelin, tinha nascido numa cidade perto do Vale do Jequitinhonha, no tempo que aquele lugar era miserável, bem diferente do que é hoje, como se sabe. Era um senhor de fala mansa, que parecia não se importar nem um pouco com o nosso futuro, embora nos contasse várias mentiras sobre grandes conquistas de atletas em outras épocas, sempre antes das lutas. Foi o precursor dessas palestras motivacionais de hoje em dia, de onde o sujeito sai olhando pra cima só na espera do universo conspirar a favor. Borges de Medelin teve dezoito filhos e todos eles trabalhavam no ginásio e riam muito durante nossos treinamentos. Não havia muita diversão naquele lugar, muito menos pra tanta gente de uma familia só. Nem eu nem Zédinho demos seguimento a profissão, apesar das muitas vitórias que tivemos sobre uns lutadores de menor envergadura de uma academia ali da Mooca, perto da linha do trem.
Encontrei Zédinho jogando sinuca outro dia, num buteco ali perto do Carandiru. Ele me abraçou e chorou muito quando me viu. E não posso dizer que não fiquei emocionado também. Conversamos muito sobre aquele tempo e tudo o que aconteceu com nossas vidas depois daquilo. Depois de certas novidades que o Zédinho me contou, eu vou ter que voltar neste assunto mais pra frente, só pra corrigir algumas imprecisões que eu carregava na memória a respeito daquele tempo.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

TEMPOS DIFICEIS

E lá se foi Dennis Hopper. Como cheguei atrasado em quase tudo, cheguei atrasado também em sua trajetória. Embora já o conhecesse, virei fã do cara em Veludo Azul, na pele do insano Frank. Dennis Hopper parecia desses caras que vivem o tempo todo dando uma banana para ao mundo. E, sinceramente, olhando os dias que vivemos hoje, o cara esteve a frente do seu tempo. Estão transformando o mundo numa merda sem graça, com um patrulhamento sobre todo tipo de comportamento que está muito difícil de engolir. Isto sem falar que hoje todo mundo tem uma resposta pronta pra tudo. Claro, a resposta que leram na revista da moda, no programa da tarde, no talk show noturno onde sempre há um gurú-pau-pra-toda-obra. Está difícil até de encontrar alguém com quem conversar sobre as dificuldades e frustrações de (tentar) fazer cinema. Você abre a boca e pronto, lá vem aquela enxurrada de otimismo sem fundamento. Você não consegue sequer terminar o raciocínio, de dizer onde estão as coisas que te incomodam. Estou de saco cheio de alguém me dizer que tudo vai dar certo sem ter nem idéia do estágio que a minha vida está, como os meus planos estão, sem saber que nada está andando como deveria, sem a noção de que, NÃO, as coisas não estão dando certo, o universo não está conspirando a favor e Deus, meus amigos, tem muito mais a fazer além de ficar cuidando da nossa mesquinhez diária.

terça-feira, 25 de maio de 2010

TERCEIRA VIA

Serra e Dilma vão sendo empurrados garganta abaixo como as duas únicas opções aceitáveis. Não entre nessa. Eu vou de Marina.
Esse vale-tudo que se estabeleceu como regra na política brasileira precisa ser mudado. Eu sei que Marina talvez não consiga fazer isto sozinha. Mas sei também que os outros dois não irão nem tentar.

terça-feira, 27 de abril de 2010

A RESPOSTA POR UM FIO.

Eu morei numa casa a beira de uma estrada de terra e havia uma porteira logo a frente, isto faz uns cinquenta anos. Eu me lembro que gostava de cruzar a porteira só pra ouvir o som dela batendo no mourão, uma, várias vezes, repicando a batida que ia ficando cada vez mais breve e mais suave. E do lado de lá era que eu sentia um certo deslocamento, a sensação de experimentar alguma coisa fora do lugar, e parecia que uma voz me mandava seguir pela estrada em frente, pra buscar algo. Nas minhas constantes reavalizações, eu sei que já peguei aquela estrada várias vezes e sei também que continuo procurando a causa daquela sensação. Sei o que está errado, não tenho a solução mas quero entender porque isto me incomoda. Criando eu me encontro diante da iminente resposta e por isto insisto. Eu procuro me distrair no prazer que esta trajetória me tráz e da dureza que ela encerra.

terça-feira, 30 de março de 2010

E VAMOS...

Até onde eu sei, nada mudou. Continuo no velho compasso de espera, com aquela inacreditável esperança de que tudo vai dar certo no final. Eu sempre lidei com improbabilidades, ela mesma de alguma maneira infiltrada em meu futuro desde os primeiros tempos. Eu passo batido, tento desconhecer o assombro incomodativo que volta e meia se alinha comigo nestas andanças. Ele tem um sorriso cravado de canto, seu cartão de visitas com o qual tenta me impressionar. Mas seguimos e nem quero mais saber da extensão e do desenho do trajeto. Muda o tempo todo, némês?

sexta-feira, 12 de março de 2010

DIREITOS HUMANOS: "Fica à vossa conveniência, senhor".

Saiu na coluna da Monica Bergamo, na Folha de S. Paulo de hoje:

BRAÇOS DADOS 1
Filho do ditador Muammar Gaddafi, da Líbia, Saif Gaddafi mereceu deferência especial do presidente Lula e do governador de SP, José Serra. Os dois o receberam em audiência -Serra, na terça, no Palácio dos Bandeirantes, e Lula, na quarta, no escritório da Presidência da República, em SP. Detalhe: as audiências com o filho do ditador, solicitadas pela empreiteira Odebrecht, que ciceroneou Gaddafi no Brasil, foram secretas, ou seja, estavam na agenda extraoficial dos governantes.

BRAÇOS DADOS 2
Marcelo Odebrecht, presidente da empreiteira, por sinal, acompanhou Gaddafi em vários compromissos, como um jantar com empresários na casa de Ana Paula Junqueira, em SP. Com obras em Trípoli, a construtora patrocina exposição de uma fundação de Gaddafi no Museu Afro Brasil, em SP.

PARA QUEM PODE
E Gaddafi, com viagem programada para Salvador, circula no Brasil a bordo de um Airbus particular.

Então tenho que deixar esta observação: A percepção do que é Ditadura, tanto pelos governos quanto pelos veículos de mídia (e isto é o mais estarrecedor)depende unica e exclusivamente de quais interesses estão envolvidos. Se há dinheiro para todos, sangue derramado e direitos violados são temas secundários.

DESEJOS OCULTOS.

Melissa mora na casa ao lado e todas as manhãs varre o quintal. E olha de canto de olho para o pombo gigante que finge dormir no beiral do sobrado vizinho.
Melissa sonha todas as manhãs em ter um rifle ao invés de uma vassoura. Ela sabe que o quintal não precisa ser varrido todos os dias, mas sabe, e sorri lá dentro, que seus desejos precisam ser regados todas as manhãs.

terça-feira, 2 de março de 2010

EU NÃO FALO DE POLÍTICA.

Há muito tempo desisti de discutir política. A desilusão que eu costumava ter em relação a este assunto devia-se ao comportamento dos políticos, ao seu total e absoluto descompromisso com a verdade ou a um mínimo de respeito para conosco, cidadãos. Porém, mesmo assim eu gostava de conversar sobre política, de trocar idéias e pensar de que forma poderíamos lutar para melhorar nosso caótico sistema. Hoje não sinto a menor vontade de falar disto e de nem mesmo pensar a respeito. Sabe por que? Porque não suporto o "pensamento bipolar" (Marcelo Tas) que vejo por aí. Desapareceram as nuances, os meios termos, as variantes, os vários aspectos de um mesmo assunto, a possibilidade de se gostar de alguma coisa e desgostar de outra na mesma pessoa. Ou se é perfeito ou imperfeito, ou se é situação ou oposição, ou se é "sim" ou "não" absolutos diante de fatos que simplesmente não possuem divisões claras. O que era paixão hoje virou burrice. Acredita-se em tudo que sirva ao momento, mesmo que as evidências digam o contrário. E a internet transformou-se no veículo ideal para a manada repercutir tudo o que pareça verdade e preencha seu espaço de pensamento hoje ocupado pela preguiça. Eu penso que o surgimento desses grupos bipolares e seus seguidores se deve ao comportamento absolutamente esquizofrênico dos meios de comunicação. Os grandes conglomerados de mídia, em geral familiares, estão todos amarrados com o governo por empréstimos que já tiveram ou esperam ter via BNDES. Não se iludam, é assim que funciona e sempre funcionou o empresariado brasileiro, liberal no discurso, mas apegado ao Estado para garantir a continuidade dos seus negócios. Assim, os grandes veículos de informação vivem constantemente em cima do muro, tentando agradar os dois lados. Os bipolares vieram então, através de blogs hospedados e sustentados pelos mesmos meios de comunicação, a ocupar um vazio (no caso de algumas pessoas, vazio mesmo)carente de um discurso que pudesse ser imediatamente assimilado sem a necessidade de pensar. Dai para o radicalismo vai menos de um passo. Um lado prega seus avanços como se tudo tivesse acontecido de forma isolada, como se nada tivesse sido feito antes, nenhuma semente tivesse sido plantada, como se não precisassem de mais ninguém, numa manifestação de arrogância sem limites. E enterrados até o pescoço na corrupção, exatamente como aqueles a quem combatiam com seu discurso moralista. O outro lado fala em ditadura, em falta de liberdade de expressão ao mesmo tempo em que se expressam livremente com ofensas grosseiras contra seus opositores. Talvez a impotência e a incompetência para promover mudanças através do voto levem esse povo a buscar caminhos "alternativos", a tentativa de colar no outro a preferência por aquilo que eles mais gostam, a ditadura que apoiaram e serviram e da qual sentem saudades neste momento de fraqueza política. Pregam a livre expressão (vocês estão se expressando, caralho, isto é liberdade de expressão!) enquanto querem impôr uma forma única de pensamento, isto é, quem não estiver do seu lado só pode estar errado. Querem negar ao outro o princípio básico da democracia, o direito a livre escolha.
Por isto não converso mais sobre política, não tenho mais paciência para a burrice.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A PAISAGEM NA JANELA EM DIAS DE CHUVA.

Pode ser que passe tudo, junto com a chuva, as feridas. E que se movam os dias para tempos melhores. Que venha até mesmo o tédio pra quebrar estas horas de tormenta.
Chove sem parar, e junto um fluxo constante de memórias, velhas impressões. Enganosas, talvez. Dizem que a história real vai sendo substituida pelas lembranças ao longo do tempo. Restam fatos corrompidos e pouco confiáveis. Mas, talvez, mais poéticos que os originais. E que vão fechar na velha piada: Um dia ainda vamos rir de tudo isto.
Fico pensando quanto tempo eu já gastei olhando através de janelas. Desde aquela, com um pedaço da vidraça quebrada junta à pia da cozinha, onde eu me sentava e esperava até meu pai chegar, até esta sob um toldo de lona. E o que junta as duas pontas é o ritmo da chuva, pausado, constante, dolorido. A janela da casa do sítio onde passei várias noites sozinho e pensava nos filhos que eu tinha deixado pra trás, por medo de morrer, por medo de não ter um rumo, por uma tentativa de redenção. Pelo que jamais me perdoarei, conforme a sentença que a chuva descreve agora, ao bater no toldo.
Tudo vai andar amanhã independente de vontades ou impressões. Com chuva ou sem ela, tudo segue. Apenas que com o sol a paisagem na janela trás memórias mais alegres, algum tipo de alívio.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Junk Poetry

...Slowly you've made my fate,

While I saw life slide down the road,

You know things may change now or late,

Clouds will then come over things we told,

By some sort of grace, see, you will feel the taste,

When death, finally, relieve the load.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

E cortamos as falas

E cansamos a pele

Das camadas abertas

Dos tecidos amorfos
Das canseiras eternas

Dos que eram a fim
Dos jamais assim.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

SIGA AQUELE COELHO.

Pode ser que você já tenha descoberto tudo e possa dizer aos teus filhos e a outros desamparados: "Eu tinha certeza que isto ia acontecer". Pode ser que alguns acreditem nesta tua sabedoria definitiva. Neste caso, eu apenas lamento: depois disto, apenas a morte.
Eu vivo na dúvida. Como o coelho mecânico na corrida de cães, é o incerto que me puxa, ou melhor, que me desanda para o futuro. Os tradutores conhecem a sina da busca da palavra perfeita, nenhuma jamais expressará o que ele deseja colocar ali, naquela hora, por alguma razão.
Por isto o olhar perdido, ausente e certas conversas que não guardo. Quando há tanto a ser compreendido, qualquer frase cheia de certeza me joga para a pista de corrida, no rastro do coelho programado para não ser alcançado.