sexta-feira, 30 de julho de 2010

E ANTES QUE VOCÊ PERCEBA...

O conteúdo está dentro da caixa.
A caixa precisa ser colorida.
A caixa precisa de um design inteligente.
A caixa precisa ser politicamente correta.
A caixa precisa salvar o planeta.
É preciso haver setas mostrando onde está a caixa.
É preciso publicidade para dizer o que está dentro da caixa.
É preciso alguém para recomendar o conteúdo da caixa.
É preciso ter dinheiro para fazer publicidade para que alguém experimente o conteúdo da caixa.

O conteúdo está dentro da caixa.
O conteúdo dorme solitário e se acha auto-suficiente dentro da caixa.
O conteúdo não sabe que está morto dentro da caixa.
O conteúdo não grita na prateleira.
O conteúdo não conquista mulheres.
O conteúdo não ganha prêmios de publicidade.

O conteúdo está dentro da caixa.
A caixa dá receitas e ensina a cozinhar.
A caixa cura doenças e destrincha a filosofia.
A caixa controla a natalidade e resolve o desemprego.
A caixa acalma o espírito e faz conspirar o universo.
A caixa explica Deus e economiza neurônios.
A caixa é pura felicidade e ausência de conteúdo.

O conteúdo está dentro da caixa.
O conteúdo sabe do seu destino nos últimos círculos do inferno.
O conteúdo apodreceu nas casas de saber.
O conteúdo evaporou na era de coelhos e chalitas.
O conteúdo morreu nos workshops de escrita.
O conteúdo é puro desespero na soberba da caixa.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

SOBRE UM RÁPIDO ENCONTRO.

Pode ser que um dia eu entre novamente naquele trem. Aquele, que vai para o oeste e que tinha os bancos revestidos com courvim verde desgastado. Eu vou querer sentar na janela quando chegar naquela estação no meio do caminho em que você me esperava. Lembra o quanto rimos, com aquela nossa risada de 17 anos, quando você me disse que tinha medo do futuro e eu respondi que ele tinha acabado de chegar naquele trem? Eu era bom com palavras e a vida parecia bem mais leve. Ou fui eu que demorei pra chegar no guichê de informações, quando a ficha cai e a dúvida e o medo se estabelecem. Você estava um passo à minha frente, já tinha passado por lá, daí seu temor.
Ontem reli uma carta tua, escrita anos depois, quando você estava de saída para o Vale das Sombras, aquele lugar que você dizia temer, mas que agora parecia tão pronto e óbvio. Você dizia que gostava da sonoridade do nome do lugar, Vale das Sombras, e lembrava de como eu queria conhecer o Deserto de Nevada, pela mesma razão, pela sonoridade do nome.
Era uma carta breve, na medida do tempo que durou nossas horas naquele trem. Breve e intensa e com tanta coisa em tão poucas palavras (o fim iminente daquela viagem de trem nos deu a capacidade de concisão).
Pode ser que um dia eu entre novamente naquele trem. Aquele, que vai para o oeste e que leva pessoas para a inesperada experiência e cicatrizes dos breves encontros.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

ENCONTROS COM DEUS NA VARANDA.

Afinal de contas, é impossível esquecer que é preciso viver. E a vida não tá nem aí se gostamos dela ou não, ela simplesmente segue, every fucking day..., ora não se impressione, é apenas a tentativa de uma tirada bem humorada.
Eu gosto do sol na minha varanda, aquela que ainda nem existe. Ele acabou de cruzar o topo do morro, é bem cedo agora. Ainda vejo orvalho sobre a parte sombreada do gramado ali pouco abaixo de mim. Sinto cheiro de café que vem de algum lugar que não é aqui. Certos cheiros transcendem o tempo, seguem grudados na memória pra reavivar nos momentos em que precisamos renascer. Cheiro de café e lenha queimada e som de água escorrendo por uma bica que não cessa. Graças ao bom Deus que me lembro do som dessa água e do seu gosto fresco que me traz pessoas boas com quem vivi.
Ouço conversas, assuntos que muitas vezes não me interessam ou não me despertam atenção. Nessas horas, faço projetos, desenho uma casa, construo uma vida futura de calma, espera e reflexão. Me distrai e me joga pra outro lugar, para os momentos de silêncio que talvez seja o que realmente importa.
Cada um encontra Deus onde quer. Eu O encontro todos os dias na minha varanda que ainda nem existe.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

PAUSE-SE.

Quando você piscar já terá passado. Aquela distância que você via na adolescência hoje parece uma pretensão perdida no tempo, trocada por algo que chamamos temerosamente de realidade. Não vale a pena discutir com a vida, ela não pode te ver ou ouvir, não tem cabeça, logo nem olhos ou ouvidos. Tire os sapatos e sente-se na calçada por uma vez apenas, conceda ao seu corpo exasperado esta oportunidade de respirar e olhar. Olhar. E não é que tudo passa mesmo mais devagar do que parecia? Aposto que você nunca tinha reparado naquela lua quase transparente perdida no céu, na descendente, às 10 horas da manhã. Há um espetáculo funcionando 24 horas por dia, para todo e qualquer gosto. Observe.