domingo, 21 de junho de 2009

IT’S ONLY WORDS, como já diziam os Bee Gees.

De vez em quando bate. O vazio. Sombras que agem no seu estilo de sombra habitual. Sorrateiras. Obscuras. E são as questões que chegam como se soubessem que não haverá respostas. Nenhuma que as igualem em sua plenitude esquiva. Essas questões não buscam honestidade, mas o confronto e o brotamento de arestas.

Na rua de cima, uma mulher velha coloca
Uma torta na janela,
Uma cena que viu num filme,
Quando garotos crescidos roubam a torta,
E colocam o dinheiro sob uma pedra.

Na manhã, tudo terá passado para outro plano, como é próprio dos movimentos. Nós sabemos das marés altas que virão, centímetros a mais de água que mudarão o mundo. Promessas. Que minam minha esperança sobre a grandeza de tudo, do que não vejo, de que muito dependo e muito espero. Nas vezes em que canso.

Você a vê encostar-se no muro
E olhar o céu, para Ele,
E já vimos isto antes,
Quando os mesmos entulhos estavam por aqui.

Sabe aquele povo do Irã, de quem tanto falam na TV? Não ligue. É apenas a bola da vez sendo inchada pelas conveniências. Não quero mais. Viro a cabeça para o lado e me vejo num espelho. Sobre o palco um velho magro e arcado. Falando para o passado, para suas palavras que pouco importam. Com seu dedo em riste de sábio e os olhos no vazio, os olhos de Che. O iluminador no fundo que saber o porquê da luz pendente no meio do palco. Tudo ainda no desenho, a luz, o homem e o texto, um esboço que grita. Que me envelhece e que me faz mudo. Um frio da boca do estomago e uma sensação do já feito. Talvez seja o medo. Talvez seja apenas a falta de grana. Talvez seja o medo da falta de grana.

O homem confere aparelhos velhos,
Ventoinhas, baterias e a parte centrifugadora de uma máquina de lavar,
E estica suas pernas gordas sobre a cadeira,
Para o sol frio desses dias de inverno novo,
Que irá me matar no dia que eu me esquecer das provisões, da lenha de reserva, e de encher os silos.

Quantos somos nesta caminhada...me chega uma frase de poeta, antiga. Muitos. A garota da escola com seu uniforme azul espera na esquina o namorado que morreu num acidente esta madrugada. Mas, ela ainda não sabe. Não tinha documentos. Demora, nestes casos. Por isto ela ainda faz uma carinha sorridente no canto do caderno. A vida às vezes chega assim. Bato os pés no meio fio. Mas não esquentam. Sean Connery diz isto nos “Intocáveis”, que bater os pés ajuda a esquentar.

Sonia, me traga o chá da meia-noite,
Cansei de suas promessas de me amar um dia destes,
De suas pausas e intervalos,
Dos entremeios longos de suas falas pra me contar sobre a tia do avô da sua melhor amiga que sabe sobre os astros
E todos os calendários,
Sobre o nosso amor que não disse a que veio ( desculpe Caetano, eu nem gosto tanto de você assim).

Quando for mais tarde, eu vou ouvir de novo. As minhas próprias confidências que "me faço a mim mesmo" só para ressaltar a beleza do erro voluntário. Pensar é difícil e requer treino. Que leva à habilidade e depois ao ócio e ao exercício eterno da contemplação. Que levam aos rascunhos e às obras inacabadas, que estufarão os sebos e museus e resenhas posteriores, semi-rasgadas, séculos depois. Triste vida leva aquele povo ali da baixada, que foram descarregados de caminhões décadas atrás. Era o costume de alguns municípios resolverem seus problemas carregando mendigos para os vizinhos. Eles alastraram. Como tudo o que acontece neste terreno fértil. E criaram seus tentáculos que rodeiam, dão voltas e fecundam a sim mesmos. Formam troncos grossos e robustos. Resistem. São tristes porque sorriem, porque têm a rua e os parques, porque amam uns aos outros, porque se esqueceram das perspectivas, das estatísticas, das relações custo-benefício, das probabilidades e as novas descobertas da ciência. São tristes porque ofendem com sua felicidade descoberta.

Ontem comi dois cérebros infantis,
Dois estômagos vazios
E três mulheres que preferiram o silêncio,
Ao se matarem em meus braços, nos poucos -momentos de honestidade que tivemos,
Quando nos ameaçamos com um pouco de amor desconectado,
Da necessidade de fingir para ser bom,
Que não tem que ser bom, mas sujo e desbocado e tragicamente livre.

Tinha um cara que chegava a cavalo em frente à casa do meu avô, que insistia que ele apeasse para uma conversa. O homem dizia que não, que precisava ir embora. E ficava lá um tempão, sobre o cavalo, sem dizer nada. Depois da canseira toda, ele dizia: “Bom, seu Jaime, a conversa ta boa, mas eu tenho que ir andando”.

Pois então.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

PEQUENA ILUSTRAÇÃO DOS FATOS DA VIDA.

Em 1973 eu fui demitido de uma empresa que ficava perto da esquina da Ipiranga com a São João. Eu entrava ali às oito da manhã, depois de correr da Estação da Luz e de escapar dos viados que me assediavam no trem em que eu vinha de Santo André. Na hora do almoço a marmita tava bagunçada, com o ovo ressecado grudado na tampa. Volta e meia o elástico arrebentava na hora de esquentar e entrava água na marmita. Uma vez por mês, no dia de pagamento, eu esquecia a marmita e ia comer um espetinho com vinagrete num restaurante a alguns passos do trabalho. Sentia uma certa dignidade naquilo, uma sensação de fazer parte de alguma coisa a qual eu não pertencia. Uma vez, quase pus fogo no prédio ao jogar uma bituca acesa no cesto de lixo ao lado da minha mesa, que ficava junto do arquivo e de uma montanha de papéis. Daquela sala, viamos todos os dias algumas putas dos prédios vizinhos recebendo clientes. Com o tempo, elas se acostumaram e até se exibiam pra nós. Quantas não foram batidas por conta daquelas dignas senhoras...
No final da tarde, às cinco e meia, eu saia correndo para a Luz, pra pegar o trem das 10 pras seis e depois um ônibus e tentar chegar a tempo de pegar a primeira aula do ginásio, às 7 e meia, em Santo André
Após um ano e meio de trabalho, período em que fui promovido de office-boy para mecanógrafo, uma coisa que não existe mais, eu fui demitido. Como ainda era menor, meu pai teve que comparecer na empresa para assinar os papeís. Daí meu gerente disse essas palavras para o meu pai, sobre os motivos da minha demissão: "O seu filho chega constantemente atrasado, uma, duas horas...pode ser que ele diga pro senhor que vem trabalhar cedo e fique por aí, sentado em alguma calçada". Eu retruquei timidamente aquela mentira e não me lembro do meu pai dizer alguma coisa. Não olhei para o rosto dele. Senti-me profundamente humilhado.
Infelizmente, o mundo está povoado de filho-da-puta que nem aquele gerente e em posições que podem causar estragos, grandes ou pequenos, não importa, na vida das pessoas. Mas essas pessoas têm um destino certo, que são os tachos de bosta borbulhante nos quintos dos infernos.
Eu estou vivo, como se pode constatar. Se não sobrevivi a mim mesmo, isto já é uma outra história.