terça-feira, 26 de agosto de 2008

MUROS

Vamos cercar a Cracolândia com um dos braços do muro que irá isolar a periferia, a metafórica e a real, das áreas nobres da cidade. Aproveitamos para jogar um pouco de gás envenenado nos porões das confecções da Jose Paulino, onde coreanos escravizam bolivianos, essa pá de cal na esperança dos ingênuos que ainda não se deram conta do poder que o poder tem de revelar o caráter canalha de nós homens. Por vinte reais comeremos uma puta do jardim da Pinacoteca como prova de nosso esforço de inclusão, de dar a todos o direito de existir nos seus dois metros quadrados de humilhação e entrega àquelas forças invisíveis que recheiam o nosso cartão de crédito. Deus leva a fama e nós os benefícios e é aí que entra a justiça feita por linhas tortas. Fazemos o desenho das cidades com um olho no peixe e outro no gato, é o cerco às oportunidades, palavra muito apreciada pelas putas velhas que chafurdam no mercado financeiro.
O novo Shopping Jardins promete oferecer tudo para que seus habitantes não tenham que ver o mundo exterior além do seu ponto de vista. Residência, trabalho e consumo. O paraíso na terra dentro de uma prisão. AAA, mas ainda assim, uma prisão. À beira de um esgoto a inferno aberto. Ou será que está nos planos asfaltar o rio Pinheiros?
O braço de muro em volta da Cracolândia será parte do outro rodeando os extremos incômodos dos quatro cantos da cidade, de onde vem aquele povo, você sabe, aquele lá, de lá...
Há quem se incomode com a presença física dos muros como elemento de segregação, como aquele de marca Bush sendo erguido pelos americanos ao longo da fronteira com o México. Será mesmo necessário com todos esses muros por aí? Ou você não está vendo?

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Eu ia dizer uma coisa qualquer, de entendimento rápido. Estou fraco de idéias para as coisas profundas, como se fosse mesmo este o meu território. Ando na superfície ultimamente, tentando me estancar, me esvaziar do acúmulo de coisas que fui empilhando lá dentro. E o preço por isto entra rápido por debaixo da porta, com as contas que nunca erram de endereço. Mas é um alívio necessário de tempos em tempos, experimentar o jeito de outros de ver o mecanismo das coisas. Pra voltar depois um pouco menos carregado para o que sou, esse jeito de ser que, certo ou errado, está na minha trilha. Com três quartos dela completados.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

OLHA OS AMARELÕES AÍ DE NOVO!

Vamos acabar com esse negócio de que medalha de prata e de bronze valem o mesmo que a de ouro. Se fosse assim existiriam apenas medalhas de latão pra todo mundo, do primeiro ao último.
Prata e Bronze só valem Ouro quando o atleta luta até a exaustão para obter o primeiro lugar. Grupos de bundas-moles como os do nosso futebol, masculino e feminino, devem se dar por satisfeitos pelo resultado, pois nada fizeram pra ir além disto. Ganharam por sorte de alguns mancos e já eram favoritos antes da hora decisiva. Culpa da mídia? Dá até preguiça falar disto. Mídia vive do espetáculo, daí a existência de animadores de auditório como o Galvão Bueno. Mídia vive de armações de sujeitos categorizados, aparentemente acima de qualquer suspeita, como os profissionais do Sport Tv, que por alguma razão que desconheço pensam que somos cegos, ou assistimos competições de maneira diferente da deles. Logo após a derrota, lá vem os caras com o discurso politicamente correto, pra nos chamar de imbecis, ao dizer que valeu a luta, que tentamos até o fim mas que competir é o que importa. O cacete!
E a garota que perdeu a vara? Sumiu, vai com outra, tenta o melhor e pára de chorar. Depois vai ver o que aconteceu. Não tenho dó não. Atleta tem que saber cuidar das suas coisas. É ele que vai dar a cara pra apanhar lá no meio da arena. E que porra é essa de pedir desculpas ao povo brasileiro? Os atletas brasileiros não me devem nada. Eles devem a si mesmos a obrigação de lutar até o fim, de dar o melhor de sí. Se ganharem desta forma, vibramos, serão heróis. Se perderem desta mesma forma, lutando, serão bravos e dignos de respeito. É só isto.
Amarelaram no futebol? Sim, são amarelões, na camisa e no espírito. E deveriam abrir mão de lutar pelo bronze. Não fizeram por merecer.

domingo, 10 de agosto de 2008

ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA.

Um dia você entrará numa sala e ficará diante de alguém maior que você. O outro do lado de lá da mesa estará acompanhado de um outro menor que fará as anotações.
Depois das formalidades iniciais, o homem grande acenderá um cigarro e seus olhos, varando a cortina de fumaça, dirá sem rodeios “estou esperando”. Você terá esquecido por alguns instantes o teu discurso ensaiado ao fixar-se no anel de pedra negra na mão esquerda do homem e no rosto cheio de certezas, ainda, do jovem com o bloco de anotações. E agora sua mão trêmula puxa da sua velha pasta de couro uma planilha de custos e um plano detalhado de trabalho.
O homem perceberá sua incerteza pela maneira que você lhe esticou o cartão de visitas, ele que leu todos os livros sobre a linguagem do corpo. Uma tolice na qual você nunca acreditou. Por um instante você olhará a paisagem formada pelo topo dos edifícios da cidade, os picos mais altos ainda cobertos pela névoa da manhã. Um avião passará pela fachada espelhada de um edifício ao lado. E por uma razão que só você sabe, uma coisa absolutamente inatingível e inalcançável a qualquer estudioso da alma humana, você abrirá um sorriso inesperado e fora dos códigos de medo das grandes salas de reunião. O garoto olhará para o chefe a procura de uma dica de conduta, enquanto aquele, depois de vasculhar na memória todos os livros que leu, sorrirá de volta, meio incomodado. E você dirá, a beira de uma gargalhada: “E eu que pensava que tinha medo de altura!”.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Há certos dias em que as palavras somem, como um motim pra desmoralizar o escritor. São os tempos de crise, quando a vontade de falar de tudo resulta em nada. Na verdade, são dias em que tudo parece adquirir um sentido destruidor, uma explicação lógica e terrivelmente fria e desprovida de qualquer mágica para o que vemos em todo lugar. Eu não sou o único que depende de anestésicos para a verdade, de uma cobertura macia e doce para a realidade. Assim nos arrastamos melhor. Talvez seja melhor não pensar, deixar deste hábito idiota de ponderar e querer entender. Não deve mesmo haver nenhuma explicação. Ou pior. Talvez a visão correta seja esta que vem nos dias de crise. Quando o sentido de tudo parece não ter sentido algum.