sábado, 2 de novembro de 2013

NA PREGUIÇA

Pelo que me consta, isto não vai durar para sempre. E não vai resolver prestar muita atenção no tic-tac do tempo (no tempo em que tic-tac não era balinha pro bafo), que as tuas lamúrias não vão mudar nada. 
Hoje venta forte pelos lados de cá. Há uma pilha de coisas a fazer sobre a mesa – aquela que eu mesmo fiz – e sobre o sofá de reserva – aquele que agora é um armário aberto. Por que o cenário do Jonathan Ross parece saído de uma daquelas lojas de móveis embaixo do Minhocão? 
Quem nos trouxe até aqui foi um germe invisível, empurrado por uma massa de energia que tentamos entender. Contornou o nosso desequilíbrio, ordenou o lugar das coisas, nos deu a inteligência e com ela instalamos o caos. Isto antes do portal. Depois dele, a escrita nos explica de várias formas. Bem, isto deve ser o resumo de um dos trabalhos a ser feito neste feriado. Logo que eu me ponha de novo no lugar. 
Nos tempos em que gostava de cerveja - e de todas as garrafas ordenadas nas prateleiras – eu já estaria na estrada agora. Estaria contando uma história, estaria rastreando a origem das coisas e ajeitando os móveis de uma casa fictícia onde mora Adélia, de um conto que perdi. Mas remontei minha história, ainda que o melhor dela esteja naquela zona cinzenta entre dois caminhos, quando soube os custos e benefícios de ser livre. 
Já perceberam as marcas de enchente nas paredes das casas, nas regiões baixas, nos lados do Brás e Cruzeiro do Sul? Aquilo marca um tempo – esse tic-tac quase imperceptível que vem do relógio de camelô sobre a minha estante – e as pessoas que estavam por ali podem não ser as mesmas. Mas numa mesa de bar, entre um fogo-paulista (é, eu me lembro!) e cerveja, as suas narrativas poderiam ser bem parecidas. 
Há histórias num pen-drive que acabei esquecendo no meio de cds, dvds e rascunhos de um dia qualquer, de personagens por descrever. É engraçado isto, e quem escreve sabe. Nos primeiros esboços de um personagem ele já ganha corpo e arranja um espaço no seu dia a dia. E com o tempo, já consta dos registros oficiais, com direito a RG, CPF e contagem de tempo de aposentadoria. Alguns nascem velhos, com histórias que eles vão me contando aos poucos. Vida e aleatoriedade é a mesma coisa, eles me dizem, com a sabedoria de uma existência que ainda vou descobrir. E aqui está uma coisa que você já ouviu e que os escritores sabem: depois que nasce um personagem, é ele quem guia o escritor e não o contrário. É assustador, é surpreendente, logo, é um vício. 
Ao trabalho, pois.