sexta-feira, 31 de outubro de 2008

TÁ TUDO CERTO, TÁ TUDO BEM. OU É O CONTRÁRIO?

Tem um cara num rock clássico, I wish you were here, na sala. Um martelo incessante no andar de cima, sexta-feira, dia de reforma e chuva. Por que o que dói é sempre mais forte? O solavanco dos carros na tampa do bueiro, a minha desesperança feito aquele nevoeiro que cobre uns edifícios lá adiante. Você arruma suas coisas e conta os objetos no chão. Confere com a lista que você fez naquele guardanapo no bar? Que apego esse a coisas cujo valor muda de sentido a partir de agora, pesadelo colocado na mochila...Jogue tudo no primeiro rio que encontrar ou pela janela do trem ou qualquer outro bicho de calda longa com distância embutida. Pra esquecer enquanto se arrasta. Fuck! Tem umas coisas que preciso organizar, algumas roupas e fotografias, umas pinturas velhas aqui na minha cabeça. Eu preciso de sol e chuva, vento e o sereno da noite pra que tudo dê certo. Acomodação e mistura de cores, perda e fragmentação, trincados e nenhum verniz de pretensão. Tem uma carta chegando por baixo da porta, fax-machine, código de barras, sabe o que é? Sim, envelopes com código de barras que entram por baixo da porta, você sabe do que falo. Salmo 91. O Altíssimo salva e protege, mas não cobre fichas de compensação. Gosto dessa tatuagem aí, nesse fim, quando a vejo de cima e você sorri. Com quem você irá partilhar essas conversas sacanas e as minhas piadas repetidas? E os discos de vinil, os dois sertões de Euclides e Guimarães Rosa e Seara de Vento, de Manuel da Fonseca? Tem coisas que só um tem, um que é um, sem cópia fácil na esquina e nem nos classificados de grandes negócios dos jornais, sem valor equivalente nos hedge-funds ou nos derivativos a quinhentos por cento ao mês. Eu mandei aquela tua poesia pra um concurso de cartas marcadas, pra te fabricar uma esperança. Assim sentaremos juntos um dia pra você me falar do gosto bom da frustração. É onde fiz carreira e criei os meus calos de dentro e de fora, mas você não sabe. É pra isto, pra você saber. Deixa eu te ver sentindo-se um verme por um tempo. Pra dividir, lembra? Lá na sala, Bruce Springsteen fala de Glory Days, quando reencontra velhos amigos e fala dos bons tempos. Quem essa não pega? Passamos todos por isto, aquela impressão boa de que as amizades nunca terminariam, nem nossas conversas sobre a vida, quando achávamos que tudo ia dar certo. Preciso refazer a armação dos óculos, uma das hastes tomba e me desnivela. Não que haja algo errado no que vejo. É a haste. É o tombo. É a enxurrada que desce pela rua daqui a pouco, coisa repetida de ontem, então nem futuro mais é. Ontem falei com o homem da perua, aquele que faz carreto. Disse que não empacota nem embrulha nada, mas garante que vai dar tudo certo. Salmo 91. “Mil cairão ao teu lado e dez mil à tua direita, mas (a peste) não chegará a ti”. Nada sobre carreto a cento e cinquenta “reals” all in. Deus é esperto, se salva na cláusula do livre arbítrio, está lá nas entrelinhas. Então é isto. Lá fora, a chuva molha lombos igualmente, um pouco da justiça divina pra gente não esquecer. Acho que vou sentir saudades de você. Talvez até compre uma armação nova para os meus óculos.

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