sexta-feira, 9 de maio de 2008

MINHA VIDA DE BOXEADOR

Pouca gente sabe, mas já fui boxeador e quase cheguei a profissional. Poderia ter sido em qualquer categoria pois eu tinha problemas sérios em me controlar com a alimentação. Ia do peso-pesado ao peso-pena em questão de dias, conforme o humor e a falta de dinheiro. Nunca fui muito alto e o máximo a que cheguei foi 1,78m, nos dias em que eu me achava importante e capaz de mudar o rumo da vida. Treinava num ginásio ali perto da rua do Gasômetro, na época que o gás da cidade era fornecido pela Bristh ges, era assim que o povo dizia. E daí se vê que eu devo ter hoje uns 110 anos de idade. O ginásio era pequeno, com dois ringues, um banheiro e um cano na parede de onde descia um jorro grosso de água, gelada na maior parte do tempo. Era bom, porque batia com o que tinha em casa. Não faz bem pegar gosto com coisa boa e diferente e depois refugar na hora de voltar pra miséria. Eu treinava sempre com o Zédinho, um sujeito mais forte e bem mais ignorante do que eu, que vivia de desentortar botijão de gás, profissão muito reconhecida naquela época. Aqueles que se dizem "martelinho de ouro" deveriam ver aquilo. Era um tipo quadrado e sem pescoço, de fala confusa e muito bruto na hora de descer o braço na gente. E tem mais, lutava sem luvas porque dizia que era bom pra engrossar os dedos mas o fato, diziam, é que não havia luva do tamanho pra acomodar as patas do Zédinho. O treinador, seu Borges de Medelin, tinha nascido numa cidade perto do Vale do Jequitinhonha, no tempo que aquele lugar era miserável, bem diferente do que é hoje, como se sabe. Era um senhor de fala mansa, que parecia não se importar nem um pouco com o nosso futuro, embora nos contasse várias mentiras sobre grandes conquistas de atletas em outras épocas, sempre antes das lutas. Foi o precursor dessas palestras motivacionais de hoje em dia, de onde o sujeito sai olhando pra cima só na espera do universo conspirar a favor. Borges de Medelin teve dezoito filhos e todos eles trabalhavam no ginásio e riam muito durante nossos treinamentos. Não havia muita diversão naquele lugar, muito menos pra tanta gente de uma familia só. Nem eu nem Zédinho demos seguimento a profissão, apesar das muitas vitórias que tivemos sobre uns lutadores de menor envergadura de uma academia ali da Mooca, perto da linha do trem.
Encontrei Zédinho jogando sinuca outro dia, num buteco ali perto do Carandiru. Ele me abraçou e chorou muito quando me viu. E não posso dizer que não fiquei emocionado também. Conversamos muito sobre aquele tempo e tudo o que aconteceu com nossas vidas depois daquilo. Depois de certas novidades que o Zédinho me contou, eu vou ter que voltar neste assunto mais pra frente, só pra corrigir algumas imprecisões que eu carregava na memória a respeito daquele tempo.

2 comentários:

Anônimo disse...

É verdade. Só parou por causa de veia que saltou na testa, era certeza de aneurisma se continuasse com esta paixão. Nada que os anos nao encarregaram de ajustar, fazendo - o colocar um marcapasso com monitoramento remoto.

Luiz D. Lago disse...

Ainda bem que você guardou esses outros detalhes. Eu tinha esquecido. Um abração.