sábado, 28 de junho de 2008

SOBRE ANACONDAS E HOMENS

Foram horas ou dias, o pescoço curvado para quase junto do carpete. Sobre a mesa de vidro ao centro, várias garrafas vazias e numa delas, um resto, dois dedos resistentes de uisque, a última reserva para o que viria a seguir. Deus teria jogado o céu para baixo naquela noite, visto a enxurrada que descia pela vidraça e um fio de água escorria pela parede, no pequeno vão da janela que eu esquecera aberto. Olhei para o teto quando virei o resto da garrafa e soltei uma gargalhada. Lembrei-me do padre na barriga da Anaconda. A história corria a cidade de Paranaguá. Uma cobra Anaconda teria escapado dos poroes de um navio que chegara da África e teria se fixado nas áreas pantanosas próximas a rodovia que sobe a serra para Curitiba. O padre que sumira depois de subir amarrado em balões teria sido engolido por aquela cobra ao cair. Alguns balões encontrados na mata seriam a prova irrefutável deste fato. Conversa. Um pior que o outro. Eu que descreio de tudo, que já andei este Brasil todo, cada hora em um lugar, um mes aqui, dois meses ali, a vida no trecho, entre fiapos de histórias de várias bocas que vão sendo contadas entre garrafas de cachaça e uma resignação que chega a doer, quando Deus é a palavra que mais se ouve. É Ele quem coloca aqueles ali, uma nação de homens invisíveis que chegam antes, que depois de tudo feito e limpo, nem se notam seus rastros, suas histórias, as dores e mentiras e saudades que cada um carrega dos que ficaram em casa, ou daqueles que inventam a casa e um grande amor pra pensar que têm pra onde voltar um dia. Tantos sotaques que parece um outro país. Entre os barulhos de martelos, maçaricos, serras de corte, guindastes, caminhões, empilhadeiras, carretilhas, fricção de metais e tijolos e canos de alumínio, carrinhos de mão, baldes subindo e descendo, ouve-se os gritos daquelas linguas todas, de homens de pouco instrução e vidas calejadas. Alguns já realizaram seus projetos e cumprem uma reta final. Outros ainda buscam e pensam em chegar a algum objetivo. E há aqueles e muitos que apenas seguem, pela diversão e sina de estar cada hora em um lugar.
Amanhã seguimos. Amanhã nos vemos. Alguns rostos se repetirão e outros novos entrarão pelo portão, pelo chão lamacento onde se jogarão pedregulhos depois. Onde do nada se erguerá alguma outra coisa, que os passantes da estrada verão pronta e brilhante dentro em breve, sem ter uma vaga idéia das mihares de histórias que dias antes passaram por ali.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Estive um mês trabalhando dentro de um canteiro de obras, na cidade de Paranaguá. O trabalho de tradução e interpretação teve de ser feito no alto de andaimes, dentro de torres de 15 metros de altura, muitas vezes sobre apenas duas tábuas e sustentado por cintos de segurança. Foi uma experiência muito interessante em todos os aspectos.
Nos próximos textos vou tentar descrever, a minha maneira, tudo o que vi e as impressões que tive.