sexta-feira, 25 de julho de 2008

CONTEMPLAÇÃO E ALGUMAS TRAGADAS.

Você deve se lembrar de um tempo em que a gente foi muito feliz. Engraçado. A gente não tinha nada e nem sabia. Por isto o nada nem falta fazia. Você sabe me dizer como o mundo foi se modificando, se abrindo, ganhando sentido e tornando tudo tão insuportável? Eu me lembro que o mundo se limitava a algumas ruas e becos e alguns amigos de fé que nunca iriam se separar. Tinha também um horizonte em frente e esta lembrança é tão boa e clara que parece até que havia um cigarro entre meus dedos. E tragadas longas e contemplação. Tudo tão simples e limpo de considerações complexas sobre a vida. Porque a vida, desse jeito que digo agora e com a qual nos preocupamos tanto, nem existia. Era tudo ali, agora, resolução imediata de sonhos, tudo possível. Este monstro que agora nos carrega em seus intestinos ainda estava oculto em outras esquinas. Agora há pouco falava com amigos sobre o gosto das coisas, hoje tão diferente. Eu disse que o gosto não mudou, mudou o tempo. “Papo de velho”, ela disse.
Como foi mesmo que tudo aconteceu? Nem vimos, porque as nossas escolhas nos colocaram num campo isolado, num mundo paralelo e particular, uma arquibancada no meio da arena. Você vai culpar alguém? Eu não. Pode ser difícil de acreditar, mas eu sabia desde muito tempo onde tudo iria chegar. Eu pressentia o fim quando dei o primeiro passo naquela direção. Porque o monstro já havia se revelado, assim como a vida e os seus tons de cinza. Sabe a ladeira e o carrinho de rolemã? E a casca de coqueiro deslizando sobre o mato ralo morro abaixo? Sabe o cavalo enlouquecido em galope pela estrada aberta e o tombo que você sabe que vai chegar? Foi assim, nós sabemos bem. Nós nascemos livres por obra e graça de um Deus que se distribui em nanopedaços por todos os cantos. E longe das amarras que as religiões tentam nos impor, precisamos seguir nossos caminhos e viver nossas escolhas. E pagar por elas. É o tal do livre-arbítrio, do pegue e siga por sua conta e risco.
Pois é, meu velho. Hoje somos inutilmente experientes e o nosso único consolo é rir das nossas desgraças. E tamborilar sobre a mesa enquanto um pensamento recorrente insiste em vir dizer que tudo poderia ter sido diferente. Como se não fosse exatamente por isto que evitamos olhar para trás.

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