sexta-feira, 13 de setembro de 2013

NOITES NO TEATRO



Eu te encontro na mesma esquina de sempre. As paredes escuras do velho teatro estão ali, pano de fundo para a nossa conversa que oscila, sempre, cambaleia. Por um milagre dos santos que regem o destino dos inseguros, nos acertamos no final. 
Sentamos no primeiro dos três degraus que antecedem a porta de duas folhas, alta e descascada. Pego sua mão e leio as linhas como se fosse a primeira vez, e como posso – podemos – eu refaço teu trajeto, invento precipícios e te coloco em pontes de corda, rios cheios, gargantas de pedras, cavernas de 400 km sob o solo de um deserto mexicano, pra sair do meu lado, eu, teu ponto fixo à espera. 
Um mendigo senta-se na calçada a nossa frente, mas não nos vê. Sei disso porque fiz aquela reza que nos deixa invisíveis, pra te proteger. Nunca se sabe onde o mal se esconde. 
Há uma coisa sempre boa neste silêncio que nos protege das frases mal feitas, ou pior, das palavras escolhidas. É o rugido permanente da cidade, um conforto estranho mas reconhecível, como se ela nos recolhesse no seu caos de perigo e prazer, com a garantia e calor dos velhos amigos.  
É tarde, grupos estranhos descem a rua em direção ao terminal. O fantasma abre uma das folhas da porta e nos recolhe. Sentamos nas banquetas junto ao balcão. As luzes apagadas das prateleiras, o cheiro de mofo que vem das coxias e das poltronas velhas, um fio de luz dependurado sobre o palco, que daqui vejo por uma fresta. 
Entramos e nos sentamos na última fileira, pelo prazer de analisar vidas pelo formato da cabeça ou pelo jeito que elas se movem, pelo andar vacilante dos que chegam no escuro, pelo jeito esquivo do homem que irá sentar-se na poltrona da beirada, para sumir sem ser notado. 
Agora conversamos, e nos amamos, nossos gemidos, risos e gargalhadas ricocheteiam e ocupam todas as reentrâncias do teatro vazio. Hoje, como todas essas noites, não há espetáculo. 
E daqui a pouco vamos embora, enquanto não acaba o efeito da reza que nos faz invisíveis.

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