domingo, 20 de novembro de 2016

O PALETÓ XADREZ


Eu já usei um paletó xadrez, preto e branco
Nas ruas de Santo André, vendendo livros de porta em porta
Jogando sinuca na hora do almoço, arroz com bife e um ovo
E entre os peitos de duas garotas na Lapa, no início da noite
Com minha calça cor de vinho e o paletó xadrez
Esbarrei nos perigos, distraído
Quando dei os primeiros passos de uma existência tola
Quando bati de frente com faces cobertas de véu
E falas doces e venenos elaborados
Entre sombras e as nuances da semântica
Com meus pés em bolhas e meu paletó xadrez
Não soube entender o encadeamento
As regras que me escaparam enquanto colocava versos no bolso
Sobre a vida nas nuvens aflitas e baixas dos dias incertos
E fui perdendo a memória na vida liquida,
Esperanças pequenas e, por que não, válidas e justas
Depositadas na compra do meu paletó xadrez
Que meu irmão assumiu as prestações
E pagou também minha calça cor de vinho
E também o trompete que comprei na Quintino Bocaiuva
Porque eu achava que tudo podia acontecer
Depois dos livros que vendesse
Com meu paletó xadrez, preto e branco.
Hoje tenho estas correntes grossas
Que pedi que fossem enferrujadas
Assim como as janelas de ferro e as grades do portão
Colocadas sobre o chão trincado,
Sobre os veios de água barrenta que adentram o casebre
E desenham um caminho na longitudinal para o fundo
Para um campo aberto
De trilhos de terra e pontes estreitas
Sobre ribeirões em vias de desaparecer.
Na parede, meu violão vermelho
De tuas tarraxas envergadas
Ao lado do cabide e meu paletó xadrez, preto e branco.

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