quarta-feira, 21 de agosto de 2013

DUAS HORAS COM JERRY MAGUIRE


Eu preciso dizer o quanto de liberdade uma perna engessada pode dar. A preguiça deixa de ser uma preocupação moral para manifestar-se na mais desavergonhada forma de independência. Quanto de culpa posso carregar se o universo me colocou numa sinuca de bico? E a cada vez que penso no quanto podia estar fazendo, eu ganho a sensação confortável de que uma suposta perda de tempo transforma-se num hiato necessário para reconsiderações essenciais sobre esta minha trajetória.
Posso me ater a detalhes, posso assistir a programas a que sempre odiei, posso achar sentido na existência do lugar-comum em um roteiro mal escrito, posso chorar com a cena banal de um filme desprezível. Será que os canais lacrimais estão de alguma forma ligados com os ossos das pernas?
Nunca tinha assistido a “Jerry Maguire”, a não ser em cenas separadas, trechos em dias diversos, ao girar o controle remoto. Mas hoje eu posso me dedicar a assisti-lo inteiro e tentar entender porque nunca havia chamado minha atenção.
Mas antes, preciso falar de algo que me incomoda e que vi num programa da Globo News (entendeu o que eu quis dizer acima?). Já sabia disto antes, já tinha lido antes, já tinha minha opinião sobre isto antes, mas tinha que ser nestas condições que isto se tornasse tão importante. A matéria falava sobre a febre dos aplicativos para celulares, games, e o quanto isto está fazendo a fortuna de alguns criativos. E a palavra que me deu o click foi “passatempo”. O que é isto?
É aquilo que se faz para preencher os momentos tediosos, os minutos intermináveis na sala de espera do dentista, o tempo parado no aeroporto esperando uma conexão, a hora gasta na fila do restaurante da moda porque você não pode deixar de experimentar a mágica do chef número 5 no ranking mundial. Quando foi que passatempo se tornou exemplo de falta de educação, em que familiares e amigos reunidos numa mesma sala, preferem se dedicar a um joguinho no celular, ao invés de rirem e aproveitarem os raros momentos de fraternidade que esta vida nos permite? Qual maior símbolo de indiferença pode haver quando pessoas passam a conversar com você apenas nos intervalos de uma jogada - ou seja lá qual termo tecnológico possa expressar isto – como se elas estivessem fazendo pequenas concessões às tuas observações ultrapassadas, às tuas opiniões repetidas de homem velho e obsoleto?
Pronto! Passou a raiva. 
Filmes são feitos com um propósito e a forma que eles nos alcançam depende de quais aspectos da nossa vivência estão mais susceptíveis, quais alvos nossos estão em campo aberto para serem atingidos.
Jerry Maguire não é um grande filme, é um bom filme. Mas visto com o tempo e grau de abertura de que disponho agora, conseguiu me emocionar. E este é o propósito do filme, embora seja curioso que isto aconteça muito mais em outras partes da narrativa, como na relação de amizade entre o agente Jerry Maguire (Tom Cruise) e seu único cliente, o jogador Rod Tidwell (Cuba Gooding Jr.), do que entre Jerry e Doroty (Renee Zellweger), com quem acaba se casando. Ou serão meus olhos? Ou será a perna? Ou serão os dois? Talvez não seja por nada disto. Acho que é por algumas outras coisas pontuais levantadas nesse filme.
Quanto de verdade um garoto carismático, com a fragilidade e honestidade de uma criança pode despertar na vida de um homem como Jerry, perdido num processo de autocomiseração e afundado num mundinho movido a ganancia? O que isto me diz? Ou quando Jerry pede um conselho a Rod sobre sua relação com Doroty, e diz a ele que ela é mãe solteira, e Rod lhe pede para ser honesto com ela “porque mãe solteira é uma coisa sagrada”, onde isto me pega?
Somos seres deste mundo, meus amigos, não se iludam que não estejamos de alguma forma apegados a todos e a tudo, de que estamos protegidos dos nossos erros e dos nossos malditos preconceitos. 
Sim, os filhos pagam pelos erros de um pai (ou se beneficiam quando dão sorte). Somos provedores brutos, ignorantes, saímos todas as manhãs com nossa clava para buscar a subsistência dos que ficaram no fundo da caverna. Embora essa relação tenha mudado ao longo do tempo, e as mulheres também botem a cara diante das feras na selva, ainda é sobre os ombros do pai que recai a sina do provedor frio, calculista, insensível e único culpado quando as coisas se perdem na seara financeira. Somos o figurante nos tempos de fartura, somos o Tom Cruise quando a ordem desanda.
Sim, conheço algumas mães solteiras. E conheço o peso que elas carregam por viver num mundo de idiotas preconceituosos (homens e mulheres), e aproveitadores (homens e mulheres), de familiares incapazes de enxergar seus próprios erros, de donos da verdade (geral). As mulheres solteiras que eu conheço são grandes mulheres porque, apesar de entrarem em desvantagem no jogo, de regras que elas não criaram e as quais subverteram, de terem que restaurar a verdade a cada instante, esfregam na cara de uma sociedade cruel a sua capacidade de resistência e um sorriso enigmático que diz “não fale de mim, pois eu sei bem quem você é”.
Eu poderia me estender sobre outros aspectos que me tocaram no filme, mas acredito que já excedi os 125 caracteres permitidos. O que interessa é que, como todo bom filme hollywoodiano, Jerry Maguire triunfa no final e todos são felizes para sempre. Mas, assim como na vida, meus amigos, o que importa é a trajetória.
É um clichê? Ah, foda-se, hoje eu posso.

 

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