domingo, 31 de julho de 2011

ESTILHAÇOS DEPOIS DA NEBLINA.

Eu já estive num mar revolto, violento, assassino. Água vazando pra dentro, tapando o fôlego, nenhum farol a vista. Ondas de quinhentos metros de altura, do mesmo tamanho do abismo de onde eu escrevia versos tortos, poesia em prosa sobre as possibilidades de isto não ser bem o que se escancara. E assusta, e apavora, como se não fosse possível conceber um mundo de tamanho desastre. Uma garganta, um mundo feito de gargantas e buracos e beiras de abismos, unhas cravadas em pedras escorregadias, torrões se desprendendo e esfarelando, o vôo, a queda, pra longe, sempre mais para longe. Voz calada, rasgando a pele na luta de tentar dizer o incompreensível, aquilo que só quem vai por ali conhece essa trilha, a mais profunda solidão que não cabe em palavras, nenhum verbo juntado, atrelado, amarrado a outros compostos vão dizer em tamanho e graus exatos o que é aquilo. Desce da parede, despenca do céu feito pontas de lança, emerge do nada e afunda pra outro mais longe e fundo e distante. E retorna na mesma força e violência. Verme é o que sobra quando nada consegue ser compreendido. Não se vê de fora, não se entende de dentro, cabos de contato quebrados, mundos paralelos e partidos. Todos os portos nesta hora estão fechados, quebraram-se as luzes dos faróis, o mar engoliu tudo e fechou-se em si. Pressa, desespero de chegar, braços sempre à frente, o corpo atirando-se ao vácuo que os braços vão deixando, vem o porto e some logo em seguida, some para o onde que não existe, para o vazio estabelecido e perpetuado. Há um bate-estaca na sala, a pata de um gato arranha um papel embaixo do sofá, alguém risca uma caixa de fósforos na cozinha. Alternam-se, afiados na ordem, como combinaram lá fora antes de entrar. Noite longa, é assim que termina o mundo, numa única noite longa, de solidão que parece ter voz que ecoa sempre para o lado de lá, um eco que se escuta ao contrário, como se fosse possível ver as costas de um eco em disparada pra longe e o que se ouve dele é apenas a impressão de um som do lado de cá. Pega-se o mundo pelo rabo, pelas beiradas, pelos fragmentos do pouco que se pode entender, uma fala interminável que está sempre dentro de algum quarto que não se vê. Escuridão, gente conversando atrás da porta, cabeças que aparecem e somem, todas as chaves no mesmo chaveiro do porteiro do inferno, sempre de costas, olhando de soslaio por sobre o ombro todas vezes que tem que dizer não. Vocabulário de uma só palavra, repetida no mesmo ritmo por sobre o ombro. Sempre assim. Não solta, não alivia, não recrudesce, se há porrada a dar é um segundo que vem. Esse maior e sempre de frente e de punhos largos, pronto para os socos pontuais, nas horas marcadas. E o porto, que estava ali agora ha pouco, ganhou uma neblina espessa sobre ele, há um mundo de névoa agora, melhor assim, porque é da natureza da neblina revelar alguma coisa. Há a sombra de um porto que estava aqui, segundos atrás, tão perto, tão junto de pegar...

Nenhum comentário: