quarta-feira, 17 de junho de 2009

PEQUENA ILUSTRAÇÃO DOS FATOS DA VIDA.

Em 1973 eu fui demitido de uma empresa que ficava perto da esquina da Ipiranga com a São João. Eu entrava ali às oito da manhã, depois de correr da Estação da Luz e de escapar dos viados que me assediavam no trem em que eu vinha de Santo André. Na hora do almoço a marmita tava bagunçada, com o ovo ressecado grudado na tampa. Volta e meia o elástico arrebentava na hora de esquentar e entrava água na marmita. Uma vez por mês, no dia de pagamento, eu esquecia a marmita e ia comer um espetinho com vinagrete num restaurante a alguns passos do trabalho. Sentia uma certa dignidade naquilo, uma sensação de fazer parte de alguma coisa a qual eu não pertencia. Uma vez, quase pus fogo no prédio ao jogar uma bituca acesa no cesto de lixo ao lado da minha mesa, que ficava junto do arquivo e de uma montanha de papéis. Daquela sala, viamos todos os dias algumas putas dos prédios vizinhos recebendo clientes. Com o tempo, elas se acostumaram e até se exibiam pra nós. Quantas não foram batidas por conta daquelas dignas senhoras...
No final da tarde, às cinco e meia, eu saia correndo para a Luz, pra pegar o trem das 10 pras seis e depois um ônibus e tentar chegar a tempo de pegar a primeira aula do ginásio, às 7 e meia, em Santo André
Após um ano e meio de trabalho, período em que fui promovido de office-boy para mecanógrafo, uma coisa que não existe mais, eu fui demitido. Como ainda era menor, meu pai teve que comparecer na empresa para assinar os papeís. Daí meu gerente disse essas palavras para o meu pai, sobre os motivos da minha demissão: "O seu filho chega constantemente atrasado, uma, duas horas...pode ser que ele diga pro senhor que vem trabalhar cedo e fique por aí, sentado em alguma calçada". Eu retruquei timidamente aquela mentira e não me lembro do meu pai dizer alguma coisa. Não olhei para o rosto dele. Senti-me profundamente humilhado.
Infelizmente, o mundo está povoado de filho-da-puta que nem aquele gerente e em posições que podem causar estragos, grandes ou pequenos, não importa, na vida das pessoas. Mas essas pessoas têm um destino certo, que são os tachos de bosta borbulhante nos quintos dos infernos.
Eu estou vivo, como se pode constatar. Se não sobrevivi a mim mesmo, isto já é uma outra história.

2 comentários:

Monica disse...

Triste constatar que essas pessoas existem, fazem parte do nosso dia a dia e, muitas vezes, temos que conviver bem de perto com gente assim....

Giselle disse...

Muitos e muitos tachos...